“... Eu
quero desaprender para aprender de novo.
Raspar as tintas com que me pintaram.
Desencaixotar emoções, recuperar sentidos...!”
Raspar as tintas com que me pintaram.
Desencaixotar emoções, recuperar sentidos...!”
Rubem Alves
Consegui ser um feliz infeliz em um só dia. Perdão
o paradoxo. Explico:
Dia desses, acordei com Eça de Queiroz, ainda
ecoando em minha mente. Na noite anterior havia concluído a leitura de Os Brasileiros (Língua Geral) lançada em 2008, em terras tupiniquins. Claríssimo
que essa foi à parte feliz.
A parte infeliz foi acordar, e ao ver as noticias culturais: leio:
– Brasil
sobe um degrauzinho no IDH – Índice de
Desenvolvimento Humano - medido pela ONU. Não esquecendo que estamos no
segundo nível, ou seja, nos países considerados elevados. Pois nos muito
elevados que compõem a categoria inicial, perdemos feio. Sim, muito feio. Para
Argentina e Chile, ambos na primeira categoria. E os demais países sul-americanos,
todos na nossa categoria, porém disparados à frente de nosso Brasil.
O Uruguai, o
país, abaixo de nós, no mapa, menor que o Rio Grande do Sul, está, exatos, 40
lugares a nossa frente.
Na expectativa de vida, ficamos atrás das
Seychelles. Sim, aquele conjunto de ilhas que o Presidente Collor ia “festia” (previsto na nova ortografia.)
Em escolaridade estamos pior que o Irã. Claro que
esse país, do Oriente, leva vantagem, já que conta somente o sexo masculino. Lá
a mulher está em segundo plano, para tudo.
Em renda estamos abaixo da Sérvia. Sim um dos
pequenos países formados com a extinção da União Soviética e que já passou por
guerras e mais guerras.
Junto, pois fazia parte desse conjunto de matérias,
estava logo abaixo, a indignação do
ex-presidente Lula. Sim, depois de ter curado, rapidinho, um câncer no hospital privado mais caro do
País (ele não confiaria isso na saúde
pública nunca). SUS, nem pensar. Ele queira ir a ONU discursar sobre esse disparate efetuado com a educação no Brasil.
Fiquei estupefato, uma ida ao hospital e um câncer devem ter alertado mais neurônios
naquele alfabetizado funcional, pois
utilizou duas palavras, sozinho, - sem necessitar da assessoria – discursar e disparate.
Era para ser este ano. Não será mais a entrada em
vigor o Decreto 6.583, com a Nova Ortografia
(do grego orthós = correto, graphia =
escrita), ou como gosta de dizer Ricardo Santana “desacordo” que depois se
transformará em Lei e substituirá a atual. Por isso escrevi acima, festia, que pode ser utilizado agora
tanto como festar. O verbo poderá alterar-se de acordo com o regionalismo que
faz parte do novo acordo. Mas somente algumas palavras. Ou seja, terá que
aprender a língua toda, novamente, se não quiser errar.
Para o filólogo (especialista
em línguas e história da gramática, linguística, estilística) Evanildo
Bechara, em entrevista à Folha de São Paulo, logo após a divulgação do acordo
comentou: “... dizer que o Acordo é
perfeito, não é... podem vir mais mudanças para corrigir um ou outro problema
que a prática e o uso da língua indicarem...!”. Para a escritora paranaense
Norma Carta Winter, (...) a língua é um
elemento vivo; evolui, altera-se, naturalmente, regida pela “lei do menor esforço”,
lei que determina todas as ações do ser humano.
É,
sempre, a busca da acomodação e da simplificação fonética, a oralidade da
língua, que acaba provocando novas mudanças, e consequentemente, (sem o trema.
Ele não existe mais na nova ortografia) novas grafias.
Mas e Eça de Queiroz, que me deixou feliz?
Concluo com ele, ou o que absorvi de sua obra. Esse
português era um consumado ironista. Essa característica avulta dessa seleção
de textos sobre o Brasil (país onde o
autor nunca esteve), alguns deles escritos com o jornalista Ramalho Ortigão,
seu parceiro na publicação mensal As
Farpas. O autor de Os Maias tinha
um olhar crítico para as precariedades do Brasil. E estamos falando de antes de
1900, por favor, atente para isso. O descaso brasiles com a educação é
denunciado em uma crônica que comenta a verba que o governo destinou à compra
de crucifixos para as salas de aula –
verba que seria bem aplicada, dizem Eça e Ortigão, na compra de palmatórias. (Para quem não sabe, palmatória é uma peça de madeira, com
cabo, usada para bater nas mãos da pessoa que deveria ser castigada. As mais
"avançadas" tinham furos no
meio, de modo que o impacto fosse ainda maior). O que hoje seria, tranquilamente,
tachado de bullying, (termo utilizado para
descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos,
praticados por um indivíduo).
Mas tudo bem, Eça de
Queiroz é muito antigo, antes de 1900, e a Nova ortografia só entra em vigor em
alguns anos. Temos “coisas” muito
mais importantes para nos preocupar: Corrupção?
Não! Copa do mundo.
Pão e circo e
octogésimo quinto lugar no IDH, na segunda colocação de países, os elevados. Porque,
por enquanto, parece que pensar dói...
Do original publicado no Bahia em 2011.
profeborto@gmail.com
Passo Fundo - RS
Texto muito interessante.
ResponderExcluirA população está feliz com o país que é penta campeão (e torcendo pelo hexa em 2014), e não se preocupa nem um pouco com a qualidade da educação dos filhos. E os governantes nem se importam em melhorar a educação pública, porque aí as pessoas aprenderão a pensar e não votarão mais nos políticos corruptos de sempre. Infelizmente, isso não irá mudar tão cedo...