“ O homem é a medida de todas as coisas,
das que são
enquanto são e das que não
são enquanto não são...”
Protágoras de Abdera – 398 aC.
Para os primeiros filósofos gregos, o homem seria
explicado pelo mesmo substrato ou pela mesma natureza ( physis) que justificaria a
existência de todos os seres. Se tudo era constituído ou proviria de água, ou
de fogo, ou de átomos, também o homem teria na água, no fogo ou nos átomos as
“raízes” de sua realidade física, psíquica e moral. Como transparece claramente no pitagorismo, a
ética se inseria na cosmologia. Justamente a grande revolução filosófica
instaurada pelos sofistas ( sofys – saber
) consistiu na desvinculação do
homem em relação à physis universal. Certamente sob a
influência das escolas médicas – que verificavam a peculiaridade de
determinadas reações orgânicas do homem -, os sofistas passam a atribuir
autonomia à natureza humana. Mas o humanismo que formulam apresenta-se
vinculado ao ceticismo, à indiferença religiosa e ao relativismo
epistemológico. Refletindo outros fundamentos, o humanismo socrático –
centralizado no preceito “conhece-te a
ti mesmo”- caminha num sentido
aparentemente semelhante, mas, na verdade, profundamente diverso.
Não tem como deixar Sócrates de fora, nesta
pretensiosa pesquisa do “ser profundo”, na busca da bondade do homem.
Ao que tudo indica, alicerçado em pressupostos
religiosos e pitagóricos, não concebe o conhecimento humano como apenas a
sucessão de impressões sensíveis – fugazes e intransferíveis – ou a criação, a
partir delas, dos sinais convencionais que constituiriam a linguagem. Se as
palavras são geralmente um terreno instável e uma expressão de opinião relativa
insegura, é porque, segundo Sócrates, não estariam acompanhadas da consciência de
seu significado. Mas esse significado, por sua vez, deveria emanar da própria
alma do indivíduo, que constitui uma unidade subjacente às mutáveis impressões
dos sentidos.
Na verdade, Sócrates, criou uma nova concepção de alma
(psiquê)
que passou a dominar a
tradição ocidental. Antes, como em Homero, a psiquê era o “duplo” que
podia se desprender provisoriamente durante o sono ou definitivamente, com a
morte, mas que nada tinha a ver com a vida mental ou as “faculdades”
da pessoa.
Nos órficos, era o principio superior, que
se reencarnava sucessivamente,
atravessando o processo purificador que a reconduziria às estrelas e a
reintegraria na harmonia universal; mas, enquanto ligada ao corpo, só se manifestava em situações excepcionais –
sonhos, visões, transes.
Já nos
pensadores jônicos do século VI a C.,
a psiquê era apenas uma parte do
todo: porção do pneuma (ar) infinito
que habitava o corpo, vivificando-o provisoriamente até escapar, como último alento, na hora da morte
– como em Anaxímenesde Mileto; ou porção de fogo a aquecer e animar o corpo até
que afinal retornasse à unidade do Fogo-Razão, o Logos universal “eternamente
vivo, que se acende com medida e
se apaga com medida” - como em Heráclito
de Éfeso.
É a partir de
Sócrates – ou pelo menos é na literatura referente a ele e que se seguiu à sua
morte - que surge a concepção de alma como sede da consciência normal e do
caráter, a alma que no cotidiano de cada um é aquela realidade interior que se
manifesta mediante palavras e ações, podendo ter conhecimento ou ignorância,
bondade ou maldade. E que, por isso,
deveria ser o objetivo principal da preocupação
e dos cuidados do homem.
Essa concepção de alma torna compreensível a
tese socrática de que virtude ( aretê ) é conhecimento e
que, por conseguinte, ninguém erra
deliberadamente. Só que aquele conhecimento nada teria a ver com as opiniões flutuantes e geralmente
infundadas. O conhecimento que Sócrates identifica à aretê é a episteme (ciência),
não a doxa ( opinião). E essa episteme
- que não pode ser ensinada – não constitui uma ciência sobre coisas ou informações
voltadas para a obtenção de prestígio ou
de riquezas: é o conhecimento de si mesmo, a autoconsciência despertada e
mantida em permanente vigília. Bom é, assim, o homem autoconstruido a partir de
seu próprio centro e que age de acordo com as exigências de sua
alma-consciência: seu oráculo interior finalmente decifrado.
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