#VivênciasLindas:
“ Um Dia da Vovó Vivido!”
"...Se você quer civilizar um homem,
comece pela avó
dele...!"
Victor Hugo
Na Sexta-feira, dia 23, passada, uma avó mandou
para as netas o convite abaixo:
“Domingo é dia da Avó, ou seja: EU!!!!!! Vocês
gostariam de vir dormir comigo no sábado, comer besteira e ver TV até desmaiar
de cansaço, tomar café da manhã naquele lugar das panquecas e frozen e dar um
passeio pela Cultura antes de voltar para casa, na hora do almoço?”.
E como era uma avó ingênua e confiante, sentou em
sua mesa de trabalho e continuou o que estava fazendo, feliz da vida, esperando
o WhatsApp fazer aquele "plimmmm" característico, avisando que
as netinhas haviam lido a mensagem.
Cinco horas depois, uma avó bastante abalada sofreu
um ataque de ansiedade em frente ao computador, entregou os pontos e ligou para
as monstrinhas, apenas para ouvir a voz, ao longe, de Clara, a mais velha:
- Ihhhhhhh, eu me esqueci dela!!!
- Como assim, você esqueceu-se de
mim?!?!?!?
- Não me esqueci de você, esqueci de ler a
mensagem, péra, estou indo lá.
Depois de mais algumas tamboriladas na mesa, quase
seis horas depois da animada mensagem original, lá vem o tão esperado plimmmm:
“Claro!”.
Além de demoradas, lacônicas, para dizer o mínimo,
mas as avós de hoje são extremamente adaptáveis, se contentam com pouco.
No dia seguinte, lá se vai vovó atravessar a cidade
para estar britanicamente às 16h em ponto na casa das netas, conforme o
combinado. Pega as três princesas, enfia no carro e ruma para a primeira etapa
do programa: supermercado, para comprar todas as besteiras prometidas no
convite.
Vovó é excelente negociadora e tira de letra a
organização da empreitada:
- Vamos lá, todas junto de mim. Onde é que
você está indo com esse carrinho??? Uma besteira para cada uma.
- Mas vovó, uma para cada uma não dá para
se encher de besteira como você prometeu...
- É... tem razão. Uma salgada e outra doce,
para cada uma. Desce da escada, menina, quer quebrar o pescoço?
- Não, quero ver o que tem na prateleira de
cima...
Escolhidas as bobagens, doces e salgadas, feitas as
compras da vovó em tempo recorde, estão as quatro confabulando em frente à
prateleira de doces, porque “noite de filme sem bala não é noite de filme”,
quando vem outra avó, desacompanhada, em sentido contrário.
As duas trocam olhares cúmplices e a avó solitária
comenta: “Tenho duas assim em casa”. Ao que a brilhante negociadora, a essa
altura com mais três pacotes de balas no carrinho, pergunta: "E você dá
tudo o que elas pedem?". A resposta vem rápida, "Claro que não,
imponho limites", acompanhada de um olhar de reprovação. E assim termina o
que poderia ter sido uma bela amizade. O duelo começa quase instantaneamente:
- É que ela nos vê muito pouco – defende uma das netas – então quando está conosco, faz tudo o que a gente quer.
Boa menina pensa
vovó, aproveitando o gancho. A essa altura, ela e a neta mais velha são uma só
entidade, abraçadas no corredor, frente unida contra a vovó abelhuda, prontas
para a guerra.
- Além do mais, trabalho muito, a semana inteira.
- Eu também – rebate a implacável
oponente.
- Mas eu fico algumas vezes até um mês sem
vê-las – apela vovó, em desespero.
Silêncio sepulcral do outro lado do ringue, a outra
avó sabe que foi derrotada no quesito vítima e sai murmurando que as netas a
visitam todos os finais de semana. Ela pode impor limites. Vovó pode bagunçar
quanto quiser, humpfffff.
Depois de um nocaute na seção de sucos e um golpe
de misericórdia no caixa, na geladeira de refrigerantes, quando já se achava a
salvo, hora de ir para casa.
A noite foi exatamente como vovó prometera; comeram
todas as besteiras; assistiram a dois filmes e jantaram na cozinha, batendo
papo.
- Vovó, não quero que você morra –
disse a menorzinha, séria.
- Vovó é muito nova – diz a do
meio – ainda está nos cinquentinhas – e pisca para a avó, que
começa a se sentir um fusca bege, com pouco tempo de uso.
- Não pretendo morrer agora, pode ficar
tranquila, mas no dia em que eu morrer, não fique triste. Nada acaba, ainda vou
estar pertinho de vocês, embora não possam mais me ver, está bem assim?
- Entendi, você é espirituosa... –
interpreta Aninha.
- Sou, também, mas acho que você quer saber
se sou espírita. Não, sou espiritualista. Não tenho religião definida. Acho que
as religiões engessam Deus. Não, ele não quebrou nada. “Engessar” é maneira de
dizer. Vamos subir?
Desmaiaram todas mais ou menos juntas quer dizer,
menos a avó, que foi acordada de madrugada, com uma cotovelada nas costelas.
- Vovó acorda, você tá roncando e não me
deixa dormir!!!
- Não sou eu, é o Pingo, vai dormir.
- Não é o Pingo, ele está dormindo do meu
lado esquerdo e o ronco está vindo do lado direito. E se ele roncasse assim era
um labrador, não um lhassa. Assim ó: snorrrrfffff, snoorrrrfffff.
- V-A-I D-O-R-M-I-R A-N-A!!!!!
- Desculpa.
No dia seguinte, na mesa do café, todas alegres,
felizes e saltitantes, decidiram trocar o programa das panquecas por mais um
filme e uma visita à casa do tio Tony e da tia Isa, para conhecer a gatinha
nova.
- Vovó, vamos brincar de “mãe e filha”?
- Claro, meu amor!
- Então eu sou a filha e você é a mãe.
- Já está valendo? Sofia vai botar o sapato
que o chão está frio!!!!!
- Não quero brincar mais, você vai mandar
em mim.
Saem atrasadas para conhecer a gatinha dos tios,
Clara vai no banco do carona, de copiloto, muito compenetrada. Atividade
essencial para avós do tipo fusca bege com pouco uso, nascidas na era pré-GPS.
- Qual é o endereço, Clarinha?
Tudo esclarecido, vovó errou o caminho, foi parar
em outro bairro, corrigiu a rota e as quatro atravessaram a cidade novamente,
não antes que Sofia observasse, sensata:
- Vovó, o nome do seu condomínio (Verde
Perto) está errado, deveria ser “Verde Longe”...
Estacionaram, entraram no prédio e vovó, muito
educadamente, se dirigiu ao porteiro:
- Bom dia, moço, o apartamento ***, por
favor.
- Claro, senhora, falar com quem?
- Tony e Isadora.
- Hummmm, não é aqui não.
- É sim, pode olhar de novo, é que eles
mudaram há pouco tempo, o senhor não deve ter decorado as fisionomias, nem os
nomes.
- Não, minha senhora, até esta manhã, quem
mora no apartamento 610 é o senhor Genésio...
- Clarinha, qual era a quadra mesmo?
- ***
- Desculpa moço, quadra errada.
Depois de visitar o filho e dar um sorvete a cada
uma delas, vovó devolveu as netas, ilesas, 24 horas depois do momento zero.
Soube que ela mal pode esperar pelo próximo Dia da Avó, mas está meio insegura,
não sabe se as gurias terão esquecido seus micos até lá!
Das
percepções diárias, entendimentos...
E
da vida vivida...
De
Beatriz Ramos –
Cronista
– Brasília – DF -
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