#MemoriasVividas:
“Eu e os Trigais...!”
“... Numa só semente de trigo há mais
vida do que num montão de feno...!”
Khalil Gibran
Eis-me de repente vivendo à época em que
nada tinha de filosofias e reflexões profundas. O existir era feito de
acontecimentos ordenados, simples, singelos. A mão já existia e o corpo todo, é
claro, no ato de tocar o feijão exposto ao sol. Há a época dos laranjais
e a gente existia, colhendo-as sob o frio de manhas e tardes invernais... O Sol
era longínquo... Saudoso... Ah, tinha também a festa dos pinhões. No campo
lindo e limpo, simplesmente recolhia-os do chão, embaixo de gigantescos e
seculares pinheiros. Uma carroça cheia de cobertores, esteiras e lanches, todos
naturais e naturalíssimos éramos todos. Tinha também o tempo de mãos leves e
olhos de enlevo e paixão a descobri ninhos e passar a mão nas flores que
cobriam parte dos campos. Elas que já nos deixavam recados de que a primavera
estava próxima.
Ah, e
tinha o trigo. Ah... O trigo. Ele teimava com o vento e animava a memória das
brincadeiras. Todas elas guardadíssimas. Inesquecíveis. Um vento, quando os
trigais, já encachados e ainda verdes, batia-lhes, pareciam ondas de um “mar” desconhecido... Apenas imaginado.
Nós tínhamos um “mar”... Um “mar” de trigais fazendo “ondas” nos campos. Ah, lembranças de
todo seu processo de nascimento... Primeiro era arar toda aquela terra. Mãos
fortes do Pai e amigos... E a mãe a trazer água fresca... Limonada... Pães com
queijo e salame... Para aqueles fortes alimentar... Para o trigo surgir...
Os amigos que ajudavam tinham seus nomes... Mas para
nós eram “tios”... Com vários
nomes... As crianças de terras vizinhas vinham acompanhando seus pais para
ajudar no preparo da terra. E logo se soltavam. E as brincadeiras, enquanto homens
fortes cuidavam da terra... Eram: de pega-pega – mas nunca um “pega” ruim – sempre era bons e agradáveis e que
terminavam em grandes gargalhadas... Esconde-esconde...
Deitar-se entre capins altos longe dos lavrados... Chicote queimado... De
mocinho e bandido... Era o mais difícil... Ninguém queria ser o bandido.
Quando
as mãos fortes descansavam seus corpos, um mate corria de mão em mão, preparado
pelas mães que vinham dar apoio... Depois deste tempo o trigo era o silêncio da
terra. Nós também nos recolhíamos em brinquedos diferentes em lugares outros,
mais calmos. E certa solidão ameaçava a nossa infância. Os grandes olhavam, de
soslaio, de longe, aquela imensidão nua e marrom que era a lavoura. Costumavam
falar sobre o medo das geadas muito fortes. Ou sobre se as sementes eram fortes
o suficiente para brotar naquele solo bruto.
Em
dias de neblina, ficávamos espiando o trigo nascendo. Pareciam fios de cabelos verdes
e retos. Todos muito jutos, a chamar, evocar uma grande “cabeça pensante” sobre o futuro de seus grãos A terra gerava
devagar... Nossos pais costumavam nos explicar, fazendo alegorias aos
animais... A prenhez de uma vaca... Assim era o solo, e o trigo germinando,
rescendo até estar pronto, encachado era o terneirinho no ventre... Gostávamos
de imaginar “um terneirinho” saindo
do solo... Ah, nobres e inocentes seres que... Perdemos no tempo.
O sol
aquecia de longe. Mas o trigal começava a acontecer. E nós acompanhávamos.
Ah, de repente o trigo
era paisagem. Nós não sabíamos como, por crianças sermos, mas a alegria também
se tornava dourada naquele tempo. E riamos... Muito... De casais de namorados
que gostava de passear de mãos dadas, tirando fotografias em meio aquele “mar” de trigo. Preferiam fazer poses
abraçadas... Juntos... Como o trigo, em meio dele.
Uns
esfarelavam todas as flores ou, depois, mastigavam grãos verdes. Outros colhiam
sete ramos com suas espigas de sorte para colocarem em vasos, em suas casas...
Para a casa e para a vida. Ah... E vinha a
colheita... Novamente muitos vizinhos que já eram “tios” apareciam. Vinham os tios João, Pedro, José... E as tias também para ajudar mamãe... Tias Célias, Marias, Guilherminas... Ah eram
muitos nomes... Eram muitos tios.
E vinha a maquina em cima de uma grande carroça,
cheia de roldanas, ferros e laminas... E
nos perdidos... Não mais brincávamos... Apenas víamos “tios” com grandes feixes de trigo sendo carregado por braços
fortes e depositar naquela máquina para separar o grão... Ao lado os grãos iam
saindo para sacos que esperam para guarda-los todos... Estes após serem
fechados... Bem costurados para nenhum grão escapar eram colocados em outras
grandes carroças puxadas por três juntas de bois ou burros... Formavam comboios
de três ou quatro grandes carroções... Para nós aquilo tudo era gigantesco...
Inexplicável. As refeições eram feitos no local... No chão perto do trigo... Das
grandes máquinas... Das grandes carroças... E ao seu lado sentavam e comiam
fartamente... Com fome também gigante... Mamãe e as tias se esforçavam que tudo
fosse gostoso e forte para aqueles braços fortes. Ensopados, batatas e
linguiças assadas, grandes pães do outro trigo... Do ano que passou.
E todo este barulho de tanta gente não
parava... Olhavam para o céu, buscando possíveis nuvens que significariam
chuvas... Aos poucos os feixes de trigos
iam sumindo daquilo que antes era um “mar
de trigo”. Ai era nossa vez... Junto com outros maiores e as mulheres
fazermos acontecer no que ficava na terra cheia de palha do trigo. Era uma
brincadeira divertida descobrir espigas esquecida e criar novos feixes... Para
levar correndo, tal qual troféu para a colheitadeira.
E
sacos e sacos por toda a parte... Nas palhas...
Nas carroças.. Por toda a parte era trigo... Muito trigo. E as
brincadeiras depois em grandes galpões eram de pularmos sobre as pilhas de
sacos de trigo. Não sabíamos, ainda, e que o nome que davam para toda “aquela montanha de sacos”... Era
fartura.
Sempre ganhávamos novas roupas e sapatos,
brinquedos, lápis de colorir com 12 cores... Fiquei extasiado a primeira vez
que vi todas aquelas cores juntas... Nossa poderia desenhar campos de trigos...
Enquanto os pais levavam o trigo para a cidade... De negócios nada entendíamos,
mas para nós eram os dias de viagem com o trigo. Depois de tudo isso... Víamos
farinha chegando... Daquele trigo que levamos... E que nos dariam os pães
gigantes que mamãe fazia no forno a lenha, lá no fundo do pátio. Ah, o cheiro destes
pães que lembramos até hoje...
Enfim o trigo e todo
este tempo... Era o pão na mesa. Pão em fornadas. Paes redondos, quadrados,
doces e salgados, saindo dos fornos quentes. E como gostávamos dos bonecos e
bichinhos com olhos de feijão e recheados com marmelada. Reunidos em família, o
sinal da cruz feito, ligeiro, em nome de Deus, que abençoava a mesa e que nela
estavam. O trigo era, no final, alimento e milagre. Era crença, fato e fé...
Todos juntos! Juntando-nos. Tornando-nos melhores... Ah, lembranças de trigo...
De infância... De inocências perdidas.
Pensar
não dói... Mas algumas lembranças molham o rosto... E trazem saudades daquilo
que não acontecerá mais...
Das lembranças de Infância
Inspirado em Jarbas da Cunha
Entendimentos & Compreensões
Leituras & Pensamentos da Madrugada
Dos arquivos da Sala de Protheus.
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