#historiaContada:
Na Tampa...
Com a
marvada pinga
É que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já dou meu taio
Pego no copo e dali nun saio
Ali memo eu bebo
Ali memo eu caio
Só prá carregar é que eu dô trabaio
Oi lá
Venho da cidade e já venho cantando
Trago um garrafão que venho chupando
Venho pros caminho, venho trupicando, xifrando os barranco, venho cambetiando
E no lugar que eu caio já fico roncando
Oi lá
É que eu me atrapaio
Eu entro na venda e já dou meu taio
Pego no copo e dali nun saio
Ali memo eu bebo
Ali memo eu caio
Só prá carregar é que eu dô trabaio
Oi lá
Venho da cidade e já venho cantando
Trago um garrafão que venho chupando
Venho pros caminho, venho trupicando, xifrando os barranco, venho cambetiando
E no lugar que eu caio já fico roncando
Oi lá
Inezita Barroso – Marvada Pinga
Sempre
fui da teoria, que no dia da partida quero estar com o corpo bem gasto, pois
foi isso que aprendi nos meus dezenove anos de Minas Gerais. Bem gasto e
coberto de histórias e “causos”, pois
isso foi o que de melhor me ensinaram por lá e que sempre “gravei na carcaça” com talha profunda. Lá pelas Gerais chamam isso
de “sabença” e tenho a certeza de
que, pela excelência da “mestra” me
formei no “grau de aprendiz permanente”,
que um dia chegará a “bedel de si próprio”.
Os “anos letivos” sempre foram
indeterminados e as “salas de aula” nos
mais variados lugares, fosse às margens do Rio São Francisco, das Velhas, Urucuia
ou Grande, ou então admirando a Serra da Mantiqueira, Espinhaço, Canastra ou da
Piedade, que avistava pela janela durante todo o tempo.
A cátedra
era a da “Matutância Filosófica”, subdividida
nas cadeiras do “Paiero”, que era
cursada solitariamente, enquanto o “Golo”,
o “Caldigalovéio” e o “Dediprosa”, estudado em “aulas
laboratório” conjunto. Preferencialmente, sentando-se em um banco de madeira,
com as pernas cruzadas e nos pés um par de “botinas
amarelas”, gastas e empoeiradas, de todos os lugares da caminhada. Para
quem não sabe “matutar” é “meditar”.
A de
“Paiero” consistia em pacientemente ir
“picando” bem fininho um fumo goiano
suave, para depois macerá-lo com o polegar contra a palma da mão cuidadosamente
e depois com o “fumo picado”
escondido na palma da mão, escolher uma palha seca de milho, daquelas bem
fininhas, vinda do coração da espiga, alisá-la e cortá-la para depois enrolar o “cigarro de palha”, espalhando o fumo
uniformemente. Tudo com muita ciência, vagar e concentração no mais profundo silêncio.
Depois
de uma lambida na borda da palha e apertar o “paiero”, acendê-lo para dar uma grande “puxada bem funda” para depois soltar uma “baforada filosófica” no ar, admirando-a dissolver-se e levando
junto os pensamentos, de que não me lembro, mas que com certeza eram sobre os
erros cometidos e as lições “bem
aprendidas” da vida, tendo em mente, que errar é a essência do aprendizado.
Já a
ciência do “Golo” consiste em “desentocar” aquela garrafa “da melhor cachacinha feita no melhor
alambique de cobre”, tapada com sabugo de milho e embrulhada em saco de
papel daquele armário mais escondido e coloca-la à mesa. É o melhor do
anfitrião oferecido em retribuição ao melhor da terra recebido. E então, num
ritual, que só os “velhos cachaceiros”
conhecem deitá-la e rodá-la no copo e “molhar
gentilmente” a língua, o céu da boca e a “goela”. A “cachacinha” sempre
foi um unguento para as dores e alegrias da vida, pois às vezes até alegrias
nos doem.
Já a
do “Caldigalovéio” é a demonstração
da generosidade do anfitrião através da “oferta
em sacrifício” do seu cansado que por muitos anos foi seu fiel despertador
e arauto do sol nascente. O galo velho parceiro, com suas carnes já duras
demais para alimento, na realidade ao ser cozido em água, alho, cebolas,
cheiros verdes, azeite e sal é um “consoméè”
de um “diário de um tempo juntos” e
por isso ao ser imolado e servido corresponde ao “sal do bom paladar” e ao aprendizado da “celebração do sabor da vida”.
Talvez
nada seja mais emblemático na cultura das “Gerais”,
que o “Dediprosa”, pois por lá sempre
se disse, que “um mineiro é solidão, dois
mineiros é reunião, mas três mineiros é revolução" e nada melhor que
se juntarem todas as “ciências”
anteriormente aprendidas num “dediprosa”.
Com saudades lembro-me da celebração dos 80
anos do “velho” Geraldo em Abaeté lá
pelos idos de 1975. Sabiamente ao completar 50 anos ele e mais três “velhos seresteiros” guardaram 3 “sacos de garrafa de pinga”, que deveria
ser aberto, quando o primeiro deles chegasse aos 80 anos. O primeiro a
aniversariar era o meu amigo e lá estavam os outros três “vivinhos da silva”, bebendo aquelas “preciosidades envelhecidas engarrafadas” de
30 anos. Tivemos que reencher um caldeirão de 50 litros com o “galo velho” por três vezes. Linda festa
e celebração.
Na
verdade, o que mais tem feito falta em nossos tempos é a “meditação” e a “confraternização”
provocadoras de uma “confabulação”, (ou quiçá uma “rebelião”). Não tenho a
menor dúvida, que uma imensa maioria dos cidadãos hoje tenha a mais plena
consciência dos males do nosso tempo, mas tem faltado um “golo, com um caldigaloveio,
prá esquentar o “dediprosa”
coletivo”.
Pra
encerrar vou contar a historinha de um amigo de Ipatinga, que resolveu abrir um
“boteco”, mas que “quebrou” muito rapidamente, pois acabou
por consumir ele mesmo todo o estoque. Toda vez que o visitava e perguntava “como estava” ele
evidentemente embriagado respondia: Na
tampa...
É assim que nos sentimos hoje
todos os brasileiros...
Na tampa...
Exclusivo para a Sala de Protheus
Das vivências, entendimentos &
compreensões
De Antônio Figueiredo –
Escritor & Cronista –
São Paulo – SP -
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