#DasMinasGerais:
“A Vila!”
Tempos
idos naquela pequena Vila. Circos, touradas, marionetes, ciganos, congados,
festas religiosas quebrando o silêncio, a rotina da pequena população.
Mulher
barbada, coisa incrível. Palhaço com perna de pau à tardinha, “hoje tem, hoje tem? Tem sim senhor... E o
palhaço que é?”, a meninada saltitante, acompanhando, respondendo às
perguntas. Tempos bons que por desconhecer a realidade traziam sempre alegria
ao povoado.Marionetes
se apresentavam na Praça do Cruzeiro. Um casal, filhos e amigos bonecos que
sempre davam algumas dicas de modernidade, de política ali desconhecidas. “Eu passei em Cubatão”! Ao que a boneca
respondia: “Eu passei batom...”, “Não
passei!”, “Não passei mesmo”, dizia ela. “Eu passei foi no meu beiço... bem vermeio pra ficá bunita igual a fia
do Sr. Antônio”. “O quê? Você será bunita iguar as fia dele...!?”
- “Claro que fico. Eu sou bunita e vou ficar mais ainda quando cortá o
cabelo bem curtinho, vesti carça esporte...!”
- “Nisso ocê tem razão. A carça cumprida é bão
dimais da conta. A muié pode montar no cavalo que não aparece parte ninhuma e
nóis homi pode ficar assussegado.”
- “Bobo, não é só por isso. A carça não deixa
arranhá nossas canelas. Cabelo curto é mais facim de lavar, pentiá, de fazê
tôca, colocá o rolim. Com a suadeira da roça, o sol ardeno, ajuda nóis. Num é
só as artistas que merece boa vida. Temo que trabaiá também no conforto...”
- “Mais num é? Pois concordo com ocê... Num adianta
o cabelo ser grande e fazer aquela pituca.”
Vinham os cabelos
loiros com água oxigenada. Quebras de tabus. Não os Tabus da famosa marca de cosméticos,
do “pó de arroz”. O riso continuava,
tanto na praça, quanto no circo e muitas vezes vinha o frio na barriga com os
malabaristas. Artistas que nunca frequentaram nenhuma academia. Palhaços
arrancando gargalhadas.
Os sustos durante as touradas. As
adivinhações, casamentos de ciganos, seus tachos de cobre, dentes de ouro.
Aquele cheiro forte de cavalo, misturado com o suor humano. “Cuidado, cigano rouba criança e moça
bonita!”
Dia de missa,
Vila cheia, festa, visitas, novidades nas “vendas”.
Chicletes Ping-Pong, balas de goma, bala Juquinha. Vendia-se de quase tudo.
Animais com os balaios lotados de mandiocas, mexericas, laranjas, tangerinas,
frutas-pão, jacas, jabuticabas. Sentava-se em qualquer lugar, debaixo de uma
boa sombra para alimentar seus filhos, muita farofa ou iam para casas de
parentes e amigos. As moças da roça procuravam ler ou saber um pouco dos
cantores, os novos cortes de cabelos, moda, da revista Recreio. À noite, a Vila
ficava vazia, o silêncio, todos dormiam. Dia seguinte muito trabalho. Volto à Vila
onde nasci. Ainda tem circos, mas já não são mais a mesma lona. Agora não se
falam mais em marionetes ou touradas. A Internet chegou lá. A Vila
mantém quase que as mesmas casas, mesmos lugares, a mesma parentela que vai
nascendo e crescendo. Estradas... Lembranças...
Matas
fechadas que moradores preservam. Lagos, rios... A velha represa continua lá.
Ninguém se deu conta da sabedoria daquele homem, engenheiro nato, que pela Vila
tanto fez. Mas não era ele quem trazia aquele povo do circo, as marionetes, as
touradas e ciganos cedendo terreno? Não era ele o Juiz de Paz? Ficou no esquecimento. Já não há lembranças dessas
coisas. O que foi são vagas recordações, sem muita importância. O circo
mudou de cor. Marionetes com indumentárias diferentes. Ciganos vão e voltam em
quadriênios e já não usam o mesmo acampamento. Não se escuta mais o trotar de
seus cavalos. O cheiro é outro, os dentes não são de ouro. Não carregam tachos
de cobre.
A Vila se
modernizou. Facebook e outras redes sócias chegaram. Eletrodomésticos de
qualidade. Chegaram também os assaltos, o desassossego, os muros em volta das
casas; perigos que antes eram apenas de algum réptil, das aranhas
caranguejeiras.
O perigo
tem nomes que apenas se liam nos livros “As
Mais Belas Histórias” (Lúcia Casassanta), quando a meninada sentava e
ficava pensado o que faria o justo Ali
Babá com as pedras preciosas retiradas da caverna dos quarenta ladrões (?).
Ainda pensavam o que elas fariam se encontrassem o lendário tacho cheio de ouro
no fim dum arco-íris? Não sei, acho que chamaria a minha mãe, porque é pesado.Hoje Ali Babá tem outra aparência, o
arco-íris tem outra simbologia. Novos significados e palavras: “quadrilha da capital”, “traficantes”,
“crack”, “estupros”, “de menor”. Mas quadrilha não era aquela dança de
caráter religioso? A Vila assiste a novelas, fica sabendo da vida de famosos,
acreditando que eles compram tais revistas e leem. Vibra com as ’estórias’ do meio artístico. É “moderna”, mesmo com toda a sua beleza
natural, que se encontra pelos caminhos estreitos, estradas; os pássaros, os
fogões a lenha, as minas, córregos, pontes rústicas. Os mata-burros; porteiras.
A Vila
continua jovial. Não precisa passar batom. Mas o circo tem a cor aterrorizante
como o susto das touradas. O povo tem medo da cor, medo de sapo, do novo Ali Babá e dos quarenta ladrões que
podem chegar a qualquer momento e tomar suas propriedades. Medo da cor das
bandeiras esvoaçantes em seus estandartes, foices, machados, facões a tilintar
no ar. Já não é o mesmo circo anunciando o espetáculo noturno. As marionetes
são a Vila. O palhaço não usa perna de pau pra sair às ruas. Usa terno e
gravata. E a cor lá está, a cada quadriênio, que mesmo sendo rejeitada é escolhida
pelas urnas eletrônicas e não pela Vila. Urnas mortuárias. Receptáculos de
morte da democracia.
Vila de
tantas belezas, banhada pelo Rio José Pedro, de tantas lembranças e desejos
mil. Quem dera chegasse progresso até você de Norte a Sul, Leste a Oeste e não
mais ficaria agarrada em atoleiros. Ai de ti
pequena Assaraí, que deu fuga, passagem a negros, índios que escapavam de invasões
das terras dos Botocudos e Coroados, ficando somente o catequizado índio
Pokrane. Mas, que agora precisa ser vigilante com os circos dos horrores que se
atraem a ti, com os caminhos dos modernos desbravadores empunhando consigo
nomes incomuns, significações perigosas.
A Vila perde a cor!
Definitivamente, há certas coisas
que não passam; dão passagem, puerilmente.
Assaraí
não tem um significado certo, podendo ser Rio das Garças ou mesmo Passagem como
no início. E que passe logo!
Exclusivo
para a Sala de Protheus -
Da
memória Lúdica de minha amiga mineira:
Marilene Marques, Mineira, nascida na Vila de Assaraí,
Município de Pocrane, Região do Vale do Rio Doce, MG,
Aposentada, trabalha com
voluntariado social.
Adendo: Cito a
inesquecível Bala Juquinha em homenagem
à nossa querida irmã Odélia, uma das ex-professoras
da Escola do Cantinho do Céu.
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