segunda-feira, 13 de abril de 2015


#QuandoAVidaEnsina:

 Sabedoria Popular...!
“... Feliz aquele que transfere o que
sabe e aprende o que ensina...!”

Cora Coralina

                                    Conheci Marinete dias antes do Natal de 2005, em fase atribulada para ambas. Ela, por haver sido demitida da casa em que trabalhava há bastante tempo, no pior período do ano para perder o emprego em Brasília – todos viajam antes das festas e a cidade só volta à vida depois do carnaval. Eu, por estar com o dedinho do pé quebrado pela milésima vez (o infeliz é separatista, quase basco, teima em não fazer parte do meu pé esquerdo), e por haver sido abandonada pela empregada, de pé engessado e tudo, sem mais aquelas, na véspera do aniversário de um de meus filhos.
                                                     A má fase dupla acabou sendo um encontro de almas. Marinete é a melhor empregada que se possa querer, e se não a chamo de “secretária do lar” é porque não gosto de eufemismos. Seu registro profissional, na carteira de trabalho que assinei desde o início, é de empregada doméstica, profissão honrada, que ela desempenha como ninguém, sempre suave, sempre discreta, sempre presente nos bons e maus momentos da minha vida, e eu nos dela.
                           Nesses nove anos, Marinete acompanhou minha neta mais velha crescer e as mais novas nascerem; meus filhos saírem da faculdade e de casa; um deles se casar e hoje trabalha, um dia por semana, na casa do Tony e da Isa – sem jamais comentar o que se passa lá.
                                                       Durante esse tempo, ela esteve comigo após uma operação de alto risco em que quase morri; cuidou de mim com uma perna quebrada que me deixou um ano sem andar e durante a recuperação de duas tromboses; presenciou duas mudanças de emprego, uma delas traumática. Vida em movimento.
                            No mesmo período eu vi crescer Arthur, um lindo garoto, de olhos escuros enormes e muita vontade de aprender, que adora livros e jogos. Entendo de livros, meus filhos de jogos, a gente se completa. Arthur é a vida de Marinete e seu projeto pessoal. Ela o cria sozinha desde sempre e nada é suficiente para o seu menino: inglês; informática; escola particular, nenhum sacrifício é medido para que ele tenha uma oportunidade na vida. Mãe e filho são de Escorpião, intensos e apaixonados um pelo outro.
                           Há pouco menos de um mês, Marinete recusou um emprego mais próximo de onde mora, em um bairro melhor, onde ganharia bem mais e chegaria em casa em menos de meia-hora, o que é relevante em Brasília, onde o transporte público é de péssima qualidade.
                      Consternada por não poder cobrir o proposta, disse que a oportunidade era maravilhosa e ela respondeu que havia recusado porque: “Prometi ao Pedro que cuidaria da senhora agora que ele foi para Natal, a senhora sempre foi boa para mim e para o meu filho. Não vou deixá-la agora, que está ganhando pouco”.
                          Essa é Marinete, uma maranhense de sorriso largo, coração enorme, que faz carinho em meus peludos, mesmo não gostando muito de cachorros, e desperta em mim uma vontade enorme de ganhar na mega-sena ou ter um salário maior, só para aumentar o dela.
                                           Na sexta-feira passada estávamos as duas na cozinha, aproveitando o café fresquinho e comentando a nova fase da Lava Jato, que havia acabado de prender dois ex-deputados e “reprender” outro, já condenado pelo Mensalão, que estava em regime semiaberto.
                                Refrescamos a memória com relação às personagens envolvidas, demos algumas risadas, ficamos indignadas e eu, a certa altura, comentei ser bom que a prisão tivesse acontecido na sexta-feira. Marinete deu um sorriso e emendou: “É verdade, assim é mais difícil conseguir um habeas-corpus”, olhou para mim e, diante da minha cara abestalhada, concluiu: ”Ah, Dona Beatriz, por que o espanto? Agora a gente só ouve falar sobre esse assunto em todos os lugares!”.
Deve ser isso o que o governo chama de “Pátria Educadora”...

  

Das percepções diárias, entendimentos...
E da vida vivida...
De Beatriz Ramos –
Cronista – Brasília – DF -

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