#QuandoAVidaEnsina:
“... Feliz
aquele que transfere o que
sabe e aprende o que ensina...!”
Cora Coralina
A
má fase dupla acabou sendo um encontro de almas. Marinete é a melhor empregada
que se possa querer, e se não a chamo de “secretária
do lar” é porque não gosto de eufemismos. Seu registro profissional, na
carteira de trabalho que assinei desde o início, é de empregada doméstica,
profissão honrada, que ela desempenha como ninguém, sempre suave, sempre
discreta, sempre presente nos bons e maus momentos da minha vida, e eu nos
dela.
Nesses nove anos, Marinete acompanhou minha neta mais velha crescer e as
mais novas nascerem; meus filhos saírem da faculdade e de casa; um deles se
casar e hoje trabalha, um dia por semana, na casa do Tony e da Isa – sem jamais
comentar o que se passa lá.
Durante esse tempo, ela esteve comigo após uma operação de alto risco em
que quase morri; cuidou de mim com uma perna quebrada que me deixou um ano sem
andar e durante a recuperação de duas tromboses; presenciou duas mudanças de
emprego, uma delas traumática. Vida em movimento.
No mesmo período eu vi crescer Arthur, um lindo garoto, de olhos escuros
enormes e muita vontade de aprender, que adora livros e jogos. Entendo de
livros, meus filhos de jogos, a gente se completa. Arthur é a vida de Marinete
e seu projeto pessoal. Ela o cria sozinha desde sempre e nada é suficiente para
o seu menino: inglês; informática; escola particular, nenhum sacrifício é
medido para que ele tenha uma oportunidade na vida. Mãe e filho são de
Escorpião, intensos e apaixonados um pelo outro.
Há pouco menos de um mês, Marinete recusou um emprego mais próximo de
onde mora, em um bairro melhor, onde ganharia bem mais e chegaria em casa em
menos de meia-hora, o que é relevante em Brasília, onde o transporte público é
de péssima qualidade.
Consternada por não poder
cobrir o proposta, disse que a oportunidade era maravilhosa e ela respondeu que
havia recusado porque: “Prometi ao Pedro
que cuidaria da senhora agora que ele foi para Natal, a senhora sempre foi boa
para mim e para o meu filho. Não vou deixá-la agora, que está ganhando pouco”.
Essa é Marinete, uma maranhense de sorriso largo, coração enorme, que
faz carinho em meus peludos, mesmo não gostando muito de cachorros, e desperta
em mim uma vontade enorme de ganhar na mega-sena ou ter um salário maior, só
para aumentar o dela.
Na sexta-feira passada estávamos as duas na cozinha, aproveitando o café
fresquinho e comentando a nova fase da Lava Jato, que havia acabado de prender
dois ex-deputados e “reprender” outro, já condenado pelo Mensalão, que estava
em regime semiaberto.
Refrescamos a
memória com relação às personagens envolvidas, demos algumas risadas, ficamos
indignadas e eu, a certa altura, comentei ser bom que a prisão tivesse
acontecido na sexta-feira. Marinete deu um sorriso e emendou: “É verdade, assim
é mais difícil conseguir um habeas-corpus”, olhou para mim e, diante da minha
cara abestalhada, concluiu: ”Ah, Dona Beatriz, por que o espanto? Agora a gente
só ouve falar sobre esse assunto em todos os lugares!”.
Deve ser isso o que o governo chama de “Pátria
Educadora”...
Das percepções diárias, entendimentos...
E da vida vivida...
De Beatriz Ramos –
Cronista – Brasília – DF -
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