Do
Escritor e Articulista
Antônio Figueiredo. Especial
Para a Sala de Protheus:
“Agora não pergunto mais
pra onde vai à estrada.
Antônio Figueiredo. Especial
Para a Sala de Protheus:
“Anda Com Fé Eu Vou...!”
“Andá
com fé eu vou, que a fé não costuma faiá...
Que a fé tá na mulher,
a fé tá na
cobra coral, Oh! Oh! Num pedaço de pão...
A fé tá na maré, na lâmina de um
punhal
Oh! Oh! Na luz, na escuridão...”
Oh! Oh! Na luz, na escuridão...”
Andar com Fé - Gilberto Gil
Agora não espero mais aquela madrugada.
Vai ser, vai ser, vai
ter de ser, vai ser faca amolada...”
Fé Cega e Faca Amolada
- Milton Nascimento
Vejam
a grande responsabilidade, que assumo, por começar um texto com os versos de
Milton Nascimento e Gilberto Gil falando de fé e de “faca ou um punhal” amolado e isso me levou a uma daquelas velhas
histórias, ou “causos mineiros”, se
preferirem. Mas como diz o hino, “verás
que um filho teu...”.
Um caixeiro
viajante andante pelos grandes caminhos e veredas de Minas Gerais tinha um medo
muito grande e doentio de cachorros e pela sua profissão vivia sob constante
ameaça, pois sua chegada em qualquer lugarejo era sempre recebida e anunciada
por uma “matilha” do late, recua,
avança, late e recua o que era o suficiente para ameaçar aparecer “borrões” nas suas “roupas de baixo”, (cuecas ou ceroulas, naquele tempo).
Um
dia conheceu um “velho rezador”
daqueles, que são figurantes obrigatórios do cenário das Gerais e que sabedor
do problema foi logo dizendo: “Meu fio,
vô te insina u’a reza contra murdida di cachorro. Mais tem qui sê baixinho na
sua oreia i só ocê pode iscuitá i sabê”. Feito isso, cochichou por alguns
segundos algumas palavras diretamente no ouvido do viajante, que a cada palavra
expressava sua surpresa e satisfação pelas caretas que fazia.
Ao
final o velho perguntou: “Intendeu direitim...?”,
ao que o viajante acedeu com a cabeça. Então o velho dirigiu-se a um capão de
mato na beira do caminho e ali cortou um belo porrete de “pau mulato”, que entregou ao viajante. Este muito surpreso
perguntou: “Velho, prá que este cacete?”.
E o “rezador” respondeu: “Baum !!! Ele pode ajuda ocê como um cajado,
u qui vai judá ocê na caminhada. A mór valia dele é pruquê si a oração faiá,
ocê baixa u porrete nus cachorro” ... E sumiu de vista.
Vivemos
tempos de materialismo e individualismo crescentes e de igrejas, que já não
conseguem “andar no mesmo compasso” da
sociedade e com isso homem e Deus, nunca estiveram tão distantes e sem diálogo.
Mas não é dessa “fé e espiritualidade”,
que quero falar.
A
espiritualidade e a fé não estão associadas exclusivamente à religião, visto
que são bens imateriais natos, que o ser humano herda e transmite e que o
ajudam na sua “travessia” como um “contrapeso” à carga da realidade,
muitas vezes nua e cruamente insuportável, que transporta nos ombros pela vida.
Sem elas não existe "material de
construção” da identidade anímica pessoal.
São essenciais na “construção” do
amor, da amizade, da empatia futebolística, da cidadania e até dos “relacionamentos” construídos nas redes
sociais. São elas que atraem seguidores e seguidos, bem como o porquê de eu
escrever e vocês de lerem as mensagens anímicas embutidas. Temos um “caso de amor”. Confiamo-nos mutua e
espiritualmente. Vejam que novas maravilhas nos abre a tecnologia!!! ...
Entretanto, com a expansão da raça humana, o distanciamento foi
crescente e o que era para servir para alargar e aproximar, apenas fez
recrudescer a desconfiança pela exploração da “boa fé” e a descrença na palavra e compromissos interpessoais.
Isso valia para tudo. Para a política, a religião, para o futebol e para o
vizinho. Naqueles tempos era “fé cega e
espírito desarmado”. Hoje é “fé cega
e faca amolada”.
A convicção mais forte nos dias de hoje não ultrapassa os limites de um “talvez” para qualquer expectativa quanto
a uma promessa ou de um acontecimento, sem nos darmos conta de que incrivelmente
são exatamente os “talvez”, que desconfiados
pronunciamos, que se tornam realidade e sempre nos surpreendem ao se realizarem.
Talvez em tempos passados tivéssemos menos
“talvez” e mais “certezas de futuro”.
Confiar era parte
do acordo e o fio de bigode valia como aval. Tínhamos até nossa estrela
particular no firmamento e a minha, minha filha ainda nos seus três aninhos
dizia, a “sua estrelinha de trocar
energia”... Sei que elas ainda estão todas lá no céu, mas, ou a noite feérica
das nossas metrópoles é que não nos deixam vê-las, ou talvez tenha saído de
moda a capacidade de se acreditar nelas.
Somos
aquilo, que efetiva e sinceramente acreditamos ser.
Nestes
tempos céticos em que nada ou muito pouco merece crença e confiança, posto que vá
uma distância muito grande entre “acreditar”
e confiarem, “eles tempos” nos
ensinaram a dissocia-los e adotá-los parcial e parcimoniosamente. Vivemos em
crise e tantas viveremos até que possamos devotar nossa fé sincera em alguém ou
em uma causa.
Temos
hoje uma “causa nacional”, afinal. De
Norte a Sul e de Leste a Oeste reverbera uma inquietude e um desconforto
coletivos até então novos entre nós. Lembro-me de algo parecido ao passar da
minha infância para a adolescência. Era a perda da inocência da criança, que
começava a enfrentar os dilemas e desafios do mundo adulto. Será que isto
também acontece com as nações?
Nós
que “moramos num país tropical, abençoado
por Deus e bonito por natureza” começamos a descobrir, que ainda que a
dádiva divina tenha sido benevolente, não temos participado com plenitude de
todas essas benesses igual e gratuitamente, pois a criança de hoje não tem mais
direito à inocência e tampouco às dúvidas da passagem. A realidade é dura e
cruel, desde o início.
Mudar
ou reconstruir esta realidade? Mudar é uma ação que implica em que algumas
imperfeições se mantenham como concessão à resistência à mudança. Já
reconstruir, significa “demolir tudo”
e arquitetar novo cenário e paisagem.
Falamos de espiritualidade e nos
esquecemos de dizer que o “sentido gregário
de pátria” é também uma qualidade da “alma
cidadã” e talvez tenha sido o “ingrediente
de liga”, que sempre dispensamos da nossa receita. Quando falo de “patriotismo” não me refiro à uma xenofobia
arcaica, que tantos males trouxe, mas do sentido de “cuidar das nossas coisas”. Das “coisas da pátria comum”.
Cuidar,
respeitar e valorizar esse “caldeirão”
de raças e culturas em suas expressões de arte e valores, reconhecendo a
contribuição das diferentes origens e principalmente, “cantando” a capacidade de torna-las “una” e um legítimo patrimônio da nossa identidade. Somos a “alma da pátria” brasileira.
E
aqui se impõe um exame de consciência. Que “brasis”
aceitamos que componham a nossa “pátria
particular”? Que “brasileiros”
admitimos nesse nosso “universo pátrio”? A
quais “brasileiros” estendemos
desarmados a nossa mão?
Foram
muitas as ruas e caminhos deste “Brasil
brasileiro”, que me ensinaram a ser um “cidadão”
à custa de muito questionamento crítico. Nasci paulistano, mas as diferentes
realidades sempre me fizeram “abrir a
cabeça” em reconhecer, que ainda que o sotaque e a comida mudassem, ainda
falávamos a mesma língua e “compartilhávamos”
do mesmo “arroz e feijão”.
Não
importa se “temperamos” à moda do
Sul, ou se “recheamos” do jeito do
Nordeste o “nosso feijão”, ele é o
mesmo, ainda que seja “de corda”,
“tropeiro”, “virado”, “tutu” ou em “feijoada”.
O “feijão básico” é pura “brasilidade”. E o patriotismo é
composto de valores básicos comuns.
“Nove entre dez brasileiros, preferem feijão...”
era o mote, que as Frenéticas, (Anos
70), cantavam. Agora neste século XXI o mote deve ser que “dez de cada dez brasileiros, se sintam
Brasil”, ainda que alguns, não muitos, ainda queiram “se separar” em um “Brasil particular”
e por isso se acuse uma região onde vive uma maioria de muitos milhões de “diferentes brasis”.
“Dividere
per vincere”, já praticavam os romanos.
Plantar o trigo e
refazer o pão de todo dia, beber o vinho e renascer na luz de cada dia. A fé, a
fé, paixão e fé, a fé, faca amolada, o chão, o chão, o sal da terra, o chão,
faca amolada.
Fé cega e faca amolada - Milton Nascimento.
Antônio Figueiredo
Escritor & Articulista
São Paulo - SP
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