Quando Você Olha, O Que Vê?
lado a intermediação da
mente. Essa interferência é o problema, porque a mente só é capaz de criar
sonhos...”
Osho, Tarô Zen, carta “Projeções”.
As palavras do Osho nunca me pareceram tão atuais. O que sou eu... Onde
começa o outro? O que é real ou projetado parece estar ficando mais e mais
difuso, em um mundo em que as regras sociais, criadas para uma época
completamente diferente, caíram em desuso como as palavras mais longas, feitas
para escritos que não cabem em 140 caracteres.
A leitura verticalizada, típica de hoje, faz com que o mesmo texto seja
entendido de tantas maneiras diferentes que fiquei pensando; e se as relações
afetivas estiverem passando pelo mesmo fenômeno? E se a diplomacia mundial for
lida e interpretada com a mesma “verticalização” apressada?
Estamos realmente vendo o que nos cerca e interagindo com esse ambiente,
ou lidando com nossas projeções e medos, colocando quem atravessa nosso caminho
na ingrata condição de saco de pancadas de nossas frustrações mais profundas?
Será o Brasil de hoje o resultado de uma projeção coletiva, de um povo
que viu o que esperava encontrar em um grupo político que jamais escondeu sua
real intenção de se locupletar?
Há alguns anos, durante meses, eu fui só cabeça. Um dia após operar o
ombro esquerdo, caí da escada de casa e explodi a perna direita. Fiquei, seis
meses, imobilizada e mais seis em cadeira de rodas. Essa experiência, tão
intensa, me proporcionou algumas lições preciosas.
Por cerca de um ano fui invisível e percebi que a maior parte das
pessoas que conhecia não via a mim, mas projeções minhas, todas elas em pé.
Cheguei a passar ao lado de amigos que conviviam comigo há mais de vinte anos e
que sequer me olharam. Foi quando entendi que, durante tanto tempo, nenhum
deles realmente me conhecia em essência, apenas projetavam em mim a imagem que
achavam que eu deveria ter.
Descobri o mundo dos cadeirantes que ninguém
cumprimenta ou olha, vi como são solidários, como sempre falam um com os
outros, senti falta deles quando voltei a andar e passaram a me ignorar, como
se os houvesse traído.
Voltei
o foco para dentro e percebi que não era melhor do que ninguém. Foi doloroso
rever quantas vezes projetei em um homem amado uma frustração que era minha; ou
em um filho, um medo ou esperança que me pertencia. Até hoje luto comigo mesma
para impedir que esse véu volte a turvar minha visão, quero enxergar meus
filhos, não eu mesma, sempre que olhar para eles.
Acho que esse processo não atinge só a mim, infelizmente. Penso que, na
maior parte do tempo, mesmo quando acreditamos estar socializando, nos
apaixonando, ou observando o mundo, todos estamos lidando com nossas projeções,
em uma imensa viagem do ego. Ao não enxergar o outro sinto que estamos cada vez
mais egoístas, menos solidários e tolerantes, com uma capacidade a cada dia
mais reduzida de empatia com o sofrimento alheio.
Sei que esse texto talvez não agrade tanto quanto os anteriores. Não tem
fadinhas dançando ao pôr-do-sol, está cheio de interrogações que não pude
responder. Como diz uma tia muito amada, “vão desculpando”. Escrever também é
dividir inquietações e dúvidas.
Acredito que a cada encarnação trazemos desafios pessoais e
intransferíveis, as respostas, portanto, também o são. Posso compartilhar
apenas o que faço para combater minhas projeções: olho muito o outro, sempre.
Procuro ouvir com cuidado o que diz e tento fazer a ele apenas o que gostaria
que me fizesse. Vem dando certo... Para mim.
Talvez a melhor resposta sobre o assunto ainda esteja com o final da
carta do tarô do Osho:
“...Com a ajuda do seu entusiasmo, o sonho começa a parecer
realidade. Quando o entusiasmo é demasiado, então você está intoxicado, não
está na posse dos seus sentidos. Nessa condição, o que quer que você enxergue
será apenas uma projeção sua. E existem tantos mundos quanto mentes, porque
cada mente vive no seu próprio mundo”.
Das Crônicas de Uma Vida
E Sentimentos de Beatriz Ramos
Jornalista & Cronista
Brasília – DF-
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