segunda-feira, 30 de junho de 2014


Escritor e Amigo Toni Figueiredo
continua suas histórias dos anos 60
na Sala de Protheus!

 
Românticos Virginais...!
 
 
"...Desculpa se eu prezo o romantismo e o cavalheirismo, mas para mim isso é fundamental...!"
Alef Roberto
                                                    Tem baile do “Pick-up e seus Negritos” no domingo. Onde? Na casa do Eliseo. Era o programa obrigatório da “Vesperal Domingueira” e já no sábado começávamos a “gozar” o Nicão, pois sabíamos que a Lindaura, uma mulata farta de quadris e seios desenhada em violão por uma “cinturinha de pilão”, o estaria esperando na porta para dançar muito provocadoramente “colada de corpo inteiro” e afagando o cangote dele. Isso bastava para ele sair esgueirar-se pela porta e ir correndo para casa para trocar calça e cueca. Dois boleros eram mais que o suficiente.
                                                  Naquelas tardes de Miguel Calmon, Elvis Presley, Bienvenido Granda, Trio los Panchos, Roberto Yanez e é claro de Românticos de Cuba e Ray Conniff também, assim compartilhávamos o romantismo da época, bem como as namoradas com os “amigos pagãos” e os excessivamente tímidos na dança, pois era absolutamente proibido ficar “colado na parede” e para as moças “dar taboa” nas “tiradas para dançar”, mesmo para aqueles que dançavam “em cima dos pés alheios”.
                                                As “princesas” com seus “coques” com muito laquê e algum “bom bril” trajavam vestidos rodados e suas muitas anáguas, (um símbolo de status inspirado em Doris Day), as unhas delicadamente pintadas com Peggy Sage, os lábios fartos de Max Factor e o rosto empalidecido com pó Angel Face. Perfume feminino eram Horas Intimas. Já os “príncipes encantados” exibiam seus jaquetões Caravelle e camisas “Volta ao Mundo” da Valisére, calças de tropical e sapatos Vulcabrás. No cabelo muita Glostora ou Gumex.
 
 
                                                 O baile familiar sempre foi a forma mais popular de diversão da periferia, a exemplo do que são hoje em dia os “bailes funk”, porém com a diferença de que anteriormente sua organização era coletiva pelos participantes. Cada um levava sua coleção de “78 rotações”, (eu era especializado em Neil Sedaka) e alguns com melhores condições levavam seus “LP’ s”, principalmente Elvis Presley, Ray Conniff, Românticos de Cuba e outros mais dançantes.
                                                 Tempos de um romantismo de versos, (eu me inspirava em Humberto de Campos) e rosas roubadas dos jardins das casas pelo caminho, que mandávamos às namoradas na esperança de um beijo consentido. Era o máximo a que nos atrevíamos, pois nos advertiam que fazer “mal” a uma menina, condenaria nossas irmãs ao mesmo castigo. Além do mais, como diziam os mais velhos, carregávamos ainda o “cheiro de cueiros” e isso nos inibia de falar de “coisas do amor” como homens.
                                                 Essa geração da “liberação masculina” encontrava do lado das meninas a resistência ensinada nos valores aprendidos em casa. Como recomendava uma tia às minhas irmãs e primas: Não deixe colocar a mão dentro do soutien e principalmente dentro da calcinha... Tudo estará perdido. Isso nos deixava mudos de lábios e principalmente de mãos, onde se concentravam todos os nossos hormônios e deste modo tudo para nós ficava “além da imaginação” e da “solidão do chuveiro”.
                                                  Ainda que fosse uma “geração audaciosa” em termos sexuais, assim era mais no aspecto do pensar e do falar do que no agir e por isso a quantidade de casais que chegaram virgens ao casamento era muito grande. Apesar do açodamento de tios, padrinhos e amigos do pai que queriam “fazer a primeira noite” do adolescente, a opção das Ruas Aurora e Timbiras e da Praça Julio Mesquita não era atraente, principalmente pelos casos de DST, que se viam entre os amigos mais afoitos.
                                                     Não seria o primeiro a comparar a vida às estradas, mas ao fazê-lo invocando as Estradas de Santos, a Graciosa e a de Petrópolis, com certeza estarei tocando as lembranças de uma grande maioria. A primeira está para os paulistas, a segunda para os paranaenses e a última está para cariocas e mineiros. Em comum, todas, estão na mesma serra e tem a mesma Mata Atlântica, (a Serra dos Órgãos no Rio é o prolongamento da Serra do Mar).
                                                 
 Foi pilotando nosso destino, que fomos por essas curtas retas, ora em aclive e ora descendo na expectativa da próxima curva, que podia ser suave ou as vezes inesperadamente abrupta sem qualquer sinalização. Era a nossa capacidade, ou melhor, atrevimento, em assumir riscos, que fez essa pilotagem mais emocionante, o que nos fez nos concentrarmos na emoção de correr a pista, ou então, caso tenhamos sido mais prudentes, dirigir mais pacientemente e nos deliciarmos com a paisagem.
                                                  De qualquer maneira a curva contornada sempre ficou para trás e tornou-se incontornável novamente e o nosso retrovisor guardou apenas uma imagem esfumaçada, como se uma densa neblina tão comum desses caminhos encobrisse memórias e imagens. Todavia, na maioria das vezes, foi o novo amor que encontramos na curva seguinte, que tornaram pálidos e inexpressivos os amores de poucos metros antes.
                                                       Mas minha memória se insurge, pois como olvidar tantas meninas, que foram minhas bicas de repouso nessas serras, marcando momentos de mãos geladas e trêmulas e de lábios sedentos e saciados. A visão do passado está perdida, não consigo me lembrar de seus rostos, seios e pernas, mas elas ainda estão lá teimosamente em minha história. São vultos congelados benfazejos em seu espaço e tempo, que ainda transmitem um pouco do seu calor à minha energia vital.
                                                     Como esquecer os Bailes de Formatura no Palácio Mauá, Clube Homs e Aeroporto, quando a periferia lotava de trajes de gala os ônibus suburbanos rumando para o Centro e a Zona Sul, disputando com igualdade de beleza e charme e matando de inveja às “filhinhas de papai”. Não posso esquecer a Valquíria uma linda flor de 15 anos de idade, meu par na formatura e irmã de um colega que esqueci o nome, formando como eu no Comercial Básico no SENAC de 1961.

 
                                                   Eu a encontrava todos os sábados à noite em um bailinho na casa de uma amiga. Lembro-me que era baixinha e sempre usava um vestido tubinho e cabelos “rabo de cavalo”. Não lembro seu rosto e nem tampouco do seu nome, mas um pouco do aroma de Miss France dela, que era o ar que eu respirava durante todo o baile, até hoje um pouco dele reside no fundo dos meus pulmões.
                                                Não me interesso em reencontrá-las e saber o que o tempo, essa “máquina de entortar pessoas”, como dizia Saint Exupéry em “Terra dos Homens”, as transformou. Fico com as que guardo em minha memória e apenas sei, que ainda amo muito a todas, pois trago um pouco delas comigo até hoje, 50 anos depois.
Lembro-me delas, para não me esquecer de mim...
  

Das percepções e pesquisas de
Antônio Figueiredo – Entre Algum Lugar entre a Bahia e São Paulo
Economista, Escritor, Empresário, Militante Apartidário Parlamentarismo e Voto Distrital Puro. Ex - Ativista Movimentos Sociais Católicos/ Metalúrgico/ Estudantil (1961/73). Operário da Cidadania
 
 
 

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