Das Minas Gerais vem este
miniconto da Mestra em
Língua Portuguesa Brasilesa
e Literatura Claudia Carvalho
para a Sala Protheus:
Felicidade “Quase” Verdadeira!
“... A felicidade na vida é já uma coisa
tão restrita e quase convencional que tirar da
vida uma parcela mínima desse luzente tesouro, tão
ambicionado e tão quimérico,
é a maior das loucuras humanas...!”
Correspondências – Portugal – 1920 -
Sempre
recatada, a mulher, esposa perfeita, recebia os amigos da família como ninguém,
mesmo que não lhe parecessem muito simpáticos. Com seu vestido bege, como a
própria sobriedade deve ser gola de renda francesa, a imagem da delicadeza.
Aliás, ela parecia não saber ser outra coisa na vida senão delicada.
Sentada na
elegante cadeira de Carvalho maciço, da varanda de sua casa perfeita como as de
comerciais de TV, ela observa a beleza de seu jardim, o que, diga-se de
passagem, vem sendo ao longo de anos seu único entretenimento. Qualquer pessoa
que a vice ali, confortavelmente sentada, julgaria ser ela uma mulher tranquila
e feliz na sua aparente paz de espírito.
O véu das
aparências é ao mesmo tempo ilusório e ilusionista. Dentro de si, aquela mulher ali parada,
pacata, conformada, trazia um desejo nauseante daquela felicidade que parecia “quase verdadeira.” Sua ânsia só fazia
aumentar diante do vazio de suas lembranças.
Algo queria
sair, fluir de dentro da mulher, ou melhor, explodir, em forma de uma cascata
indomável. Ali sentada, ela sentia uma pontada aguda no peito. Era um
sentimento que ela não saberia descrever, a consciência angustiante de seu
presente inconsistente e de seu passado cheio de momentos “felizes”, absolutamente falsos. Aquilo era algo pesado demais para
ela.
Então, como o borboletear de asas mágicas, sua
mente foge daquele cenário e de repente, o mundo se torna um lugar lindo e seu,
sua imaginação vaga. Seu olhar se fixa em um vaso de orquídeas que ela, com
todo cuidado, plantou e viu florescer. - Que lindas minhas orquídeas!
Contudo,
seu marido havia feito a ela um pedido: que presenteasse um casal de amigos,
justo com seu vaso de orquídeas predileto. Pedido ao qual, a mulher, sempre
delicada, não soube, ou não pode se opor. Seu silêncio não queria dizer sim,
como o marido pensou apenas ela não tinha dentro de si o grito “Não”, que a salvaria. Seu silêncio
bradava aos quatro ventos:
- Porque devo dar de presente meu vaso que cultivei com
tanto amor, só porque é belo? Porque eu não tenho direito de ser dona dessa
beleza? Não, essa beleza pertence a mim!
Quanto mais
seus olhos se fixavam no belo vaso, mas a consciência de que ele lhe pertencia
causava vertigem à mulher. Então, nesse momento, a consciência daquela
realidade tacanha, vai aos poucos se perdendo, se tornando embaçada, até não
mais existir. Tudo em volta desaparece e passa a ser, ela mesma, a orquídea.
Aquela alucinação a absorve inteira. Seus cabelos, braços, pernas, tronco, são
agora raiz, caule, pequenos brotos, folhas e flores. Seu sangue quente, a
própria seiva que dá vida, saída do âmago da terra.
A mulher, agora orquídea, é bela, exuberante, enfim, é livre! Seus ramos
e flores se insinuam em uma dança envolvente e sensual. Parte daquele lugar, em
busca de campos desconhecidos, onde juntamente com outras espécies, baila e
rodopia em uma dança cada vez mais vibrante, a ponto de aquela alma que
outrora, morava naquele corpo inerte na cadeira, agora totalmente absorta
naquela dança enlouquecedora e estonteante perder-se em um caminho sem volta. O
rodopiar incessante de suas folhas e pétalas a levam além de qualquer
consciência e juntamente com as de outras flores voam como unicórnios e se
transformam em estrelas, em constelações! E eis que universo, enfim, se abre
num intenso e sonoro “Sim”.
Entendimentos & Compreensões
Dos pensamentos de minha amiga
Cláudia Ezídgia de Carvalho - Minas Gerais -
Licenciatura em Língua Portuguesa Brasilesa
Universidade
Federal de Ouro Preto
Mestrado em Literatura Comparada
Unicamp – SP
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