sábado, 3 de maio de 2014


Escritor e Amigo Toni Figueiredo
continua suas Histórias dos anos 60
na Sala de Protheus!

 
“... Anos 60...!”
– Não falávamos Esperanto...! –

 

                                          Falar daqueles tempos decorridos mais de 50 anos não é uma tarefa fácil, principalmente quando se tenta “colar figurinhas” no “álbum da memória” dos fatos e das lembranças vividas. É incrível como o tempo, a tinta de escrever a história, borra e confunde tudo: rostos, músicas, notícias e até mesmo “como pensávamos e vivíamos” então. Mas, me deu a natureza uma memória privilegiada e com isso uma aptidão mais destacada no estudo da história, fosse do Brasil ou a Universal.

                                        Essa curiosidade insaciável de compreender o ser humano dentro do seu tempo e espaço, com certeza era oriunda da minha própria necessidade de me entender, me situar, interagir e acompanhar a evolução do “meu tempo” não passivamente, pois sempre “atrevido e rebelde” jamais aceitei ser apenas um “produto padronizado” das circunstâncias e entorno.

                                      Desde o berço fui condenado a ser um “humanista” e não digo isso pelas minhas péssimas notas em Matemática, Química e Física, mas porque sempre achei que foi dentro de uma “geografia”, que se desenvolveu uma “história”. Já a tecnologia exata sempre buscou estratificar e tornar dominantes as sociedades humanas e essa inteligência, salvo raríssimas exceções, jamais foi utilizada para ensinar ou fazer a humanidade ser mais feliz. Viver para mim sempre foi a mais bela e a mais complexa das ciências.

                                    Bem, vamos ver o que a história da ocupação metropolitana de São Paulo nos ensina. Uma imagem me impressionou profundamente nos anos 90, quando levei minha filha a conhecer o Museu do Ipiranga, (a propósito ela é formada em História e é Arqueóloga), foi uma maquete da cidade em 1822, mostrando-a praticamente toda construída em taipa e com uma população de 25 mil habitantes, econômica e socialmente pobres, e que lembrava um desenvolvimento urbano semelhante ao usado em Portugal com inúmeras “freguesias” em seus limites rurais.

                                  Poderíamos para compor o mapa de a cidade oitocentista ampliá-la até novos limites. No Leste a Penha de França, caminho para o Rio de Janeiro e fundada como uma sesmaria do Sec. XVII. Ao Norte a Freguesia do Ó, caminho das bandeiras que rumavam à Minas Gerais, fundada pelo bandeirante Manoel Preto em 1680 e nomeada como Citeo do Jaragoá. Dentro dessa região ficava Santana, onde instalou-se numa fazenda a Família Andrada e onde acredita-se que José Bonifácio tenha redigido a Declaração do Dia do Fico. (Atual Rua Alfredo Pujol).

                                 Na região Oeste estava Ybytatá (Butantan) fundada em 1607 e que era a saída para as bandeiras com rumo a Mato Grosso. Na região Sul tinha Santo Amaro, que principiou como a Missão Jesuíta de Ybira-puera, ainda nos tempos de José de Anchieta e cujos domínios estendiam-se até Itapecerica da Serra e Mairinque, nos cumes da Serra do Mar.

                                 É importante observar que os espaços abertos desde o Centro da Vila até esses “pontos extremos” eram preenchidos por atividades rurais e extrativistas. Desde o plantio da cana de açúcar e da atividade leiteira e chacareira e muito importante, a pesca nos Rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí. Lembro-me do pai de um amigo que sustentava a família com belos dourados, piaparas e lambaris pescados nessas várzeas e lagoas em 1950. Inacreditáveis 65 anos atrás.

                                Somente com uma análise do ciclo imigratório no início do Sec. XX, em especial, poderemos entender como essa “vila” transformou-se numa “quatro centenária” metrópole em 1954 com 2 milhões de habitantes e como o preenchimento desse amplo espaço escreveu sua história. Só como referência, antes dessa “explosão imigratória” em 1900 a população da cidade era de 240 mil habitantes.

                          Ligo aqui o túnel do “meu” tempo para preencher o espaço entre Santana e Penha de França na Zona Norte. A Vila Maria da minha infância, (colonizada a partir de 1914), no início dos anos 50 tinha sotaque português e lá viviam muitos “milionários da correia”, como eram chamados os cobradores de bonde da Light, (no meu tempo CMTC) e que cobravam 2 passagens para a empresa e uma para o próprio bolso. Todos então éramos “pingentes” dos bondes 34, (Vila Maria) e 67, (Alto da Vila Maria). Aliás foi em um uniforme de “cobrador/motorneiro” da CMTC, que Jânio Quadros candidatou-se a “pai dos pobres” municipais em 1952.
 
 
                        Essa façanha deveu-se principalmente ao fato de a Vila haver adquirido sotaque nordestino a partir dos anos 50. Era em frente à Igreja da Candelária, que estacionavam os “paus de arara” oriundos do Nordeste e ali se descarregavam cocos, papagaios e “baianos”, (como genericamente os chamávamos em São Paulo).

                       Esses migrantes alojavam-se nos morros do Alto da Vila Maria até a divisa com Guarulhos, além de São Miguel e Itaim Paulista. Esta foi com certeza, quantitativamente, a maior migração, que se destinou a São Paulo e de grande relevância na construção da cidade, pois representava “mão de obra barata”.

                      Já as colônias mais tradicionalmente “comerciantes” como a portuguesa instalou-se em todas as partes onde novos núcleos habitacionais surgiam dedicando-se ao ramo de bares, padarias e empórios. Os “turcos”, (quando pobres libaneses e quando ricos sírios), instalaram-se nos bairros do Bom Retiro, Paraíso, Cerqueira Cesar, Vila Mariana, (Zonas próximas ao Centro), Ipiranga (Zona Sudeste) e Lapa, (Zona Oeste).

                      Os judeus instalaram-se no Bom Retiro, Higienópolis e Jardins, (Zonas próximas ao Centro). Os chineses na Liberdade, (Centro) e os japoneses nos bairros de Cangaiba, Vila Carrão, Itaquera, (Zona Leste), Vila Brasilândia, (Zona Norte), Jardim da Saúde, (Zona Sudeste) e Liberdade, (Centro).

                       Outro fluxo migratório de menor monta, os alemães, instalaram-se em zonas mais frias da Capital como Alto da Boa Vista, Campo Belo, Moema, Santo Amaro, Saúde, (Zona Sul), Alto de Santana, (Zona Norte). Alto de Pinheiros e Jaguaré, (Zona Oeste).

                      Sem dúvidas foi o processo de industrialização ocorrido na cidade o responsável por essa imigração maciça do início do Sec. XX nas florescentes várzeas industriais paulistanas e do início da mobilização política do operariado. Não por acaso, esse início de doutrinação ocorreu após imigrações em tempos de repressão na Europa, principalmente da Itália Fascista e da Espanha Franquista e assim comunistas/socialistas e anarquistas refugiaram-se no Brasil.

                      O “grosso” instalou-se nas cercanias dessas fábricas e foram as maiores tributárias desse grupo. Os espanhóis concentraram-se mais nos bairros de Ipiranga (Zona Sudeste), Lapa (Zona Oeste) e Pari. Os italianos nos bairros da Barra Funda, Bixiga, Bom Retiro e Pari, (Zonas Próximas ao Centro, Ipiranga, Vila Prudente Zona Sudeste), Pinheiros, Pompéia, (Zona Oeste), Quarta Parada, Tatuapé, Vila Carrão, Belenzinho, Brás e Mooca, (Zona Leste).

                      Em 1943 para atender esse adensamento urbano/industrial foi inaugurada a Escola Técnica Antárctica, (hoje ET Walter Belian - Fundação Zerrener da AMBEV), precedente a iniciativa da CNI na instituição dos ´SENAI’ s e que foi a pioneira no ensino técnico na cidade, sendo uma referência de “excelência na formação profissional” para alunos das classes mais baixas.

                     Inicialmente instalada no bairro da Água Branca, no Parque Antarctica, em uma área de lazer construída pela Antarctica Paulista em 1921 para seus empregados, foi comprada e lá se construiu o antigo estádio do Palmeiras. Em 1948 e escola mudou-se para o bairro do Cambuci. Porém esta é outra história dentro da história do desenvolvimento industrial paulistano.

                    Foram certamente essas correntes imigratórias e o desenvolvimento educacional de seus descendentes, principalmente nos anos 60, que muito contribuiu para o “momento político” de 1964. Como esquecer os Ferrarini, os Gonzalez, os Pereira, os Goldstein, os Hellriegel e os Abdalla sentados nos bancos escolares vizinhos.

                    A História escrita na nossa memória admite hoje interpretações diferentes decorridos todos estes 50 anos, mas as pessoas e suas ações são o “que foram” e não o que este momento torna mais conveniente “escrever ter sido”.
                     A História é também sempre um momento de saudades em folhas de papel amarelado e suas tintas desbotadas...

 

Das percepções e pesquisas de
Antônio Figueiredo – Entre Algum Lugar entre a Bahia e São Paulo
Economista, Escritor, Empresário, Militante Apartidário Parlamentarismo e Voto Distrital Puro. Ex - Ativista Movimentos Sociais Católicos/ Metalúrgico/ Estudantil (1961/73). Operário da Cidadania
 

 

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