#Série História Vivida
Anos 60
“... A “Guerrilha”
da Serra do Mar..!”
Nos anos
70, quando trabalhei no Matarazzo – Divisão Mineração em São Caetano do Sul-SP,
nos divertíamos muito com um colega de trabalho que não tinha “visão de profundidade” e a “sacanagem” consistia em mostrar-lhe dois
pontos distantes sobre o teto da fábrica e lhe perguntar qual dos dois estava
mais próximo. As respostas eram sempre motivo de muita “gozação”, pois eram as mais disparatadas possíveis. Um dos
colegas, que viajou com ele até a Fazenda Amália em Santa Rosa do Viterbo,
próxima a Ribeirão Preto - SP, disse nunca ter passado tanto medo com as “ultrapassagens cinematográficas”
presenciadas. Imagine só...
Décadas
atrás se dizia que o castigo vinha a cavalo. Já hoje em dia parece virem
pilotando uma Ferrari, que vai de zero a cem quilômetros por hora em aproximados
4 segundos. Pois é, mais ou menos assim, me sinto hoje na tentativa de situar
sobre uma linha do tempo passado fatos e memórias daqueles anos, ainda que hoje
ouça falar muito de tal “alemão”
(Alzheimer) naquele então insuspeito.A verdade é que o tempo nos “prega uma peça” depois de há muito decorrido. É como se aquele desenho em perspectiva dos fatos e lembranças, que guardavam sua posição cronológica em uma folha de papel, alguém rebeldemente desordenasse todos os seus pontos, traduzindo-os em um plano caótico. Misturamos músicas de décadas diferentes, ainda que saibamos que Elvis Presley e The Beatles sobreviveram a todas elas e musas do cinema, que contracenaram com Rock Hudson teriam namorado Paul Newman ou Robert Redford. Golpe de Mestre é inesquecível.
Todas às 07h 00 das manhãs dos sábados dos
anos 60 juntavam-se na Estação Julio Prestes, (antiga Sorocabana) um “batalhão
de guerrilheiros” paramentados com mochilas, cinturão de cartuchos e facão
de 20 polegadas, calçados de botas de cano alto, normalmente a Vulcabrás de
borracha e suas cartucheiras e carabinas encapadas penduradas. Seu destino era
o ramal Mairinque – Santos, (aquela mesma
da música do Guilherme Arantes nos anos 70), que cortava o último
contraforte praiano da Serra do Mar. Ainda hoje quem desce a Rodovia dos
Imigrantes pode divisar uma linha descendente ainda existente na serra do outro
lado do vale.
Nosso “aparelho” ficava, distante dois
quilômetros, da Estação de Mãe Maria mata adentro, ou melhor serra abaixo e era
uma “cabana de caça” feita de pau a
pique e coberta de folhas de palmeira, (guaricanga).
As camas eram feitas com cipó guaiambé e forradas de guaricanga. Flexível e
macia. Para completar a mobília, um fogão à lenha construído com pedras e
barro. Os “únicos luxos” eram a forração de papelão da cabana, a chapa de ferro
do fogão e uma porta velha com corrente e cadeado trazidos da civilização.
No nosso rancho tínhamos uma plaquinha, que
dizia: Todo caçador é mentiroso, exceto eu e você..., mas não estou seguro
quanto a você! Nestes tempos em que caçar é “política
e ambientalmente incorreto” vou poupá-los dos meus safaris e “contos de caçador”. A rigor pouquíssimo
dano infringíamos à fauna, que à época já se extinguia: macucos, urus, tucanos,
jacus, jacutingas, inhambus, porcos do mato e caititus, pacas e onças pintada e
suçuarana (onça parda). Porém uma
caça era garantida: o Palmito Jussara, que hoje está em extinção pelo
extrativismo desordenado em toda a Mata Atlântica brasileira.
Muitos caçadores
ou não, vão se lembrar de uma loja na Av. São João, O Gaúcho, aquela que tinha uma espingarda com canos recurvados para
cima e era recomendada como “especial
para caçar veados na curva”... Lojas de artigos de caça e pesca esportiva
eram muitas na década de 60 e espalhavam-se por todo Centro e em especial nas
Ruas Florêncio de Abreu, Mauá e Av. Rangel Pestana e São João: O Gaúcho, Loja
Caça e Pesca, Casas Bayard, Casas Diana Paolucci, para mencionar as mais
conhecidas. A grande atração, contudo, eram os discos que ensinavam o piar de
aves de todo o Brasil e que ecoavam pelas calçadas durante o dia inteiro
ininterruptamente.
Nessas lojas comprava-se
cutelaria e armas tanto esportivas como de defesa pessoal, como carabinas Remington, URKO, Rossi e Winchester de vários calibres e espingardas
de caça com cartucho, nacionais e importadas, inclusive as de repetição de
calibre 12, que depois foram transformadas em temíveis escopetas. Revólveres e
pistolas automáticas também eram disponíveis, exceto as de uso restrito
militar, (9 mm e .45).
A caça era
permitida, bem como a compra de armas e munições e as licenças de caça e porte
de arma eram expedidas regularmente. Os processos de concessão de licença “de porte” eram extremamente desburocratizados
e dependia exclusivamente da apresentação da Carteira de Identidade e
Comprovante de Residência. No prazo máximo de 30 dias a licença estava expedida
ou recusada, neste caso exclusivamente a quem tinha antecedentes policiais. O
volume de munição comprado era totalmente livre e dependia exclusivamente do
poder aquisitivo do cliente.
Sempre fui cultor
da inteligência e um entusiasta da “tecnologia
de armas”, porque o ser humano para a autopreservação especializou-se
principalmente “em matar” e por isso
colocou nas “armas de destruição
individual ou em massa” o “melhor da
sua inteligência”. Nessa época “rolava
livremente” o comércio de “armas
pessoais” de todas e da última tecnologia, como armas pessoais automáticas
da Colt (.45), Savage e Walther (9 mm) e
até mesmo Luggers, (no Mercado Negro), além das Beretta (7.65 e 6.35) nas casas de arma,
negociavam-se livre e fartamente. Tinha amigos, que possuíam algumas dessas
armas e como disse sua munição era plenamente acessível.
A pergunta que sempre me fiz:
Por que a “guerrilha urbana” nunca se
aproveitou desse fator e se tornou um movimento mais forte e atuante? É sabido
que o Exército Brasileiro, pelo menos até 1967, quando começou a reaparelhar
suas forças com fuzis FAO, (decorrente da participação brasileira na
Força de Paz na República Dominicana e Canal de Suez nos anos de 1960/5), além
da tropa mal treinada, equipava-se quase que basicamente de fuzis da II Grande
Guerra, que muito pouca eficiência tinha e essas armas disponíveis no mercado,
principalmente para “operações de
guerrilha”, a elas fariam frente.Foi com a fuga do Capitão Carlos Lamarca em 1968, levando consigo 560 fuzis FAO do Quartel de Quitaúna, que a guerrilha efetivamente se equipou militarmente, mas já no ocaso dos “grupos guerrilheiros”, que foram dizimados rapidamente, quer pela repressão, quer pela fuga nas trocas com embaixadores. Mas foi principalmente após as mortes de Carlos Marighela em 1969 e de Carlos Lamarca em 1971, que foi praticamente extinta, pois eram os únicos líderes que efetivamente dominavam a “arte da guerra” e a “organização militar” de milícias.
As ações mais
ousadas da “guerrilha urbana” ocorreram
com os assaltos a bancos, sequestro de embaixadores e os assassinatos do Almirante
Nelson Fernandes no atentado no Aeroporto de Guararapes em Recife, (1966), do Capitão
do Exército Americano Charles Chandler, (1968) e do empresário Henning Albert
Boilesen, (1971).
No tocante às
“sublevações rurais”, como a
Guerrilha do Caparaó, (1966/7) e a do Araguaia (1971/2) também houve fracasso,
repetindo o de Che Guevara na Bolívia, (1966/7), bem como já havia fracassado
no Brasil Francisco Julião e suas Ligas Camponesas, ainda antes do final do
Governo Jango Goulart, pois não mobilizaram os “camponeses”. Tanto a “guerrilha
urbana” quanto a “guerrilha rural” não
apresentou caras novas, pois foram sempre estimuladas e patrocinadas pelos
mesmos “velhos conhecidos” do PCB,
que nunca conseguiram arrebatar nem o eleitor e nem a grande maioria da classe
pensante formadora de opinião.
A única “novidade” da época da “esquerda brasileira” chamou-se Leonel
Brizola, que graças à notoriedade conseguida desde a Campanha da Legalidade “forçando” a posse de Jango Goulart em
1961, colocou em marcha a estruturação do famoso G-11, (Grupo dos Onze) de tendência “esquerdista
nacionalista”, porém não marxista. Foi sua atuação forte junto aos meios de
comunicação da época, (rádio de ondas
curtas), com ampla cobertura nacional, que provocou um “grande susto” nas hostes Castristas.
Uma “hipotética” força militar
revolucionária distribuída por todo país, prontos para uma “revolução, que já estava madura” na avaliação de Brizola, mas que
logo após 31 de março revelou-se um “blefe”
com o desterro do “líder” no Uruguai.
Acusou-se Brizola nesse incidente de haver “desaparecido”
com 3 milhões de dólares vindos de Cuba, para o financiamento desse canal
revolucionário.
Bem, é
desnecessário falar que toda essa “movimentação
política” não poderia deixar de encontrar ressonância na “juventude sessentista” brasileira. Em
todo mundo havia jovens se manifestando, quer fosse aos USA, (Guerra do Vietnã, o Movimento Hippie e
Woodstock), como na Primavera de Praga, (1968) e na Primavera de Paris,
(1968). Como sempre é o entusiasmo juvenil, que paga o preço pelas ideias e
ideais das “velhas raposas”
políticas, que sempre estarão “onde
sempre estiveram”... No Poder.
Silencio por um
minuto meu clarim em memória dos “bravos
jovens idealistas” desses “dourados
anos de chumbo”...
Das
vivências, percepções e pesquisas de
Antônio
Figueiredo – De algum lugar entre a Bahia e São Paulo
Economista, Escritor, Empresário, Militante Apartidário Parlamentarismo
e Voto Distrital Puro. Ex - Ativista Movimentos Sociais Católicos/ Metalúrgico/
Estudantil (1961/73). Operário da Cidadania
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