quinta-feira, 22 de maio de 2014


Escritor e Amigo Toni Figueiredo
continua suas Histórias dos anos 60
na Sala de Protheus!

 

A BUSCA DO BOLINHO
DE OVO IDEAL...!
 
 
 

"...O tempo não para! Só a saudade é que faz
     as coisas pararem no tempo...!"
 
Mario Quintana
 
                            Nem sempre em cima dos acontecimentos conseguimos entender as mudanças, que ocorrem em nossas vidas, pois ainda que consequentes das nossas escolhas pessoais nos façam pensar em que apenas cumprimos um roteiro pré-definido, o que muitos chamam: “destino”. É como se as páginas estivessem já escritas por um “ente superior normativo gozador” e que somente para nós não houvesse franqueado a leitura. É evidente que este “emimesmamento” é atual e impensável há 50 anos.
 
                                       “Jovem dos anos 60” ainda não tinha a noção da finitude humana. Talvez a leitura de “heróis românticos” das gerações anteriores, como Michael Gest (Beau Gest – P.C. Wren), Ivanhoe, (Sir Walter Scott), Robin Hood, (Tradução de Monteiro Lobato) e Arsene Lupin, (Maurice Leblanc) tenha-me dotado de um “corpo imortal”. O mesmo que me inspirava à música “Those were the days” de Gene Raskin e gravado por Mary Hopkin, em tradução livre:

Há muito tempo atrás havia um bar
Onde sempre “levantávamos” um copo ou dois
Lembra-se como ríamos por horas a fio
E sonhávamos as grandes coisas que iriamos fazer?
Aqueles eram dias, meu amigo
Que pensávamos que jamais passariam
Cantávamos e dançávamos como se fossem eternos
Vivíamos a vida que queríamos e lutávamos invictos.
Porque éramos jovens e seguros do nosso caminho.

                                          Sou nascido na Vila Maria na Zona Norte de São Paulo ainda no tempo que não existia Jânio Quadros e lá era então um “curral eleitoral” de Adhemar de Barros e seu Partido Social Progressista – PSP, pois como já comentei em outra crônica, lá vivia uma grande maioria de descendentes de portugueses e o “nordestino” ainda não havia gestado o “fenômeno Jânio”. Era dessa “periferia longínqua”, que admirava a “Garrafa de Licor”, (Banespa) e o Martinelli no Centro da cidade e namorava o dia em que livremente por ali caminharia.
                                       Caminhei a poucos dias pelo Centro da Cidade, onde aos 14 anos comecei a trabalhar em busca das minhas referências da época. Escritórios onde trabalhei lojas, bares e cafés, que por lá existiam e que eu frequentava. Passei pelo Largo do Patriarca buscando a “bandinha” do Exército da Salvação, no Largo São Bento a barraquinha do Fogo Selvagem e os vendedores de “óleo de Peixe Elétrico”. Em vão.

                                     No Largo do Paissandu não achei a tenda do Faquir Silk, que diziam que toda madrugada ia comer um “sanduba de Bauru” no Ponto Chic e nem a da Mulher Gorila na Avenida São João. Não encontrei mais os triciclos que vendiam o doce de leite em pedaços de Muzambinho. Não encontrei também os cinemas glamorosos da Avenida São João, Ipiranga, Rio Branco e Conselheiro Crispiniano. E nem tampouco o “Dez Mandamentos” com Charlton Heston estava “em cartaz” há mais de 50 semanas.
                                   Não ouvi o som do realejo e nem vi o perequitinho, que sai da sua gaiolinha para “bicar” o seu “bilhetinho de boa sorte do dia” e até os “fotógrafos lambe-lambe” hoje não se encontram mais em todas as praças públicas.
                                Não encontrei caminhando pelas ruas homens de paletó e chapéu, de todas classes sociais e nem tampouco os cestos de lixo de tela de arame em forma de barrica com a placa: Mantenha a Cidade Limpa e nem as gondolas à porta de bares, que vendiam esfias duplas, salsichas empanadas, bolinhos de carne e de ovo, que cabiam exatamente no “nosso bolso” de “mensageiros”.
                               O “bolinho de ovo” fosse o que tinha um ovo inteiro, ou meio ovo e meio carne encapado na mesma massa de batata frita da coxinha, era o meu favorito, além de ser o mais barato. Bastavam dois bolinhos e um “pingado” de “café preto” como combustível para o percurso matinal, que começava na Praça da Sé, descia pela XV de Novembro e Boa Vista, depois a Florêncio de Abreu até a Paula Souza e depois até a Rua Araújo na Praça da República e de volta à Barão de Paranapiacaba. No “dedão”. Isso tudo por um “salário mínimo de menor”, (1/2 salário mínimo), com a vantagem de trabalhar “meio expediente”. A outra metade estudava no SENAC na Galvão Bueno.
                              Nos “anos 60” começava a se democratizar o acesso aos “ginásios” (5ª a 8ª séries atuais), mas mesmo assim com “exames de admissão ao Ginásio”, uma forma de vestibular, para atender a um pequeno número de vagas, principalmente em “bairros mais periféricos”, quando existentes. Já para o 2º Grau de então, Clássico e Científico da Escola Pública eram em pequeno número e a única opção era representada pelos Cursos Técnicos em Instituições Privadas. (Contabilidade, Química, Elétrica e Eletrônica (manutenção de Rádios e Televisões) e alguns outros poucos).
                             Existiam na época vários cursos superiores por correspondência, destacando-se o da International School, que chegou a ser amplamente aceito pelas empresas, dada a escassez de mão de obra de terceiro grau. Tive um chefe, que era Diretor Industrial no Moinho Santista com essa formação.
                            Esta situação é que todos os anos provocavam dezenas de manifestações de estudantes secundaristas, pois as vagas preenchidas pelo critério meritório de “notas” deixavam milhares de excedentes sem matrícula, ainda que com notas acima do “corte” de aprovação nas Universidades Públicas. O número de vagas era sempre o mesmo há décadas. Essa situação só começou a ser normalizada com a controvertida Reforma do Ensino Superior em 1968, (Acordo MEC-USAID) e com a abertura de inúmeras “faculdades particulares”, pois ainda que com “custo” para o estudante, pelo menos lhe dava acesso a uma carreira de nível superior.
                             Desde então sempre achei injusto o “curso universitário público gratuito”, pois sempre privilegiou, quem já era privilegiado. A escola pública básica era de excelente qualidade e permitia uma competição igual com as escolas particulares, ainda que das mais renomadas, porém o que excluía o estudante das classes mais baixas era a impossibilidade de deixar de trabalhar ou ser bancado pela família nas Universidades Públicas, que normalmente eram de “ciclo integral”.

                              Foi assim que em 1969 prestei exames de Madureza, (Supletivos) e em 1970, já aos 24 anos de idade, com 6 anos de atraso e já um pai de família, consegui, junto com muitos outros da mesma condição, origem e geração fazer um Curso Superior em Economia. Trabalhava de dia e estudava à noite na Fundação Santo André, que a Prefeitura de Santo André - SP subvencionava em 50% o valor da mensalidade, mas que mesmo assim ainda “pesava muito” no meu orçamento particular a parte que me tocava. Não havia financiamento público para essa finalidade.
 
                                        Com certeza o grande motivo da exclusão das classes mais baixas na Universidade Pública, (Medicina, Engenharia e Odontologia), é o fato de o ensino básico nos dois graus anteriores ter sido “sucateado” pelo menor aporte de verbas em benefício do Ensino de Terceiro Grau já a partir dos Governos Militares e até os tempos atuais. Isso é o que até hoje estratifica e veda as classes médias, mais baixas e às mais baixas ainda o acesso às carreiras de maior importância social e econômica.
                                      
                                         Hoje “carreira feita”, após 40 anos de graduado, consegui dar-me ao luxo de “buscar o bolinho de ovo ideal”, que não se encontra mais no cardápio dos petiscos dos bares centrais paulistanos, mas que certamente encontrarei na “periferia” de onde saí.
                                        
                                        Sempre celebro os dias difíceis comendo bolinhos de ovo e pratos imensos de arroz e dois ovos nestes novos tempos de “privilegiado”, pois é a primeira coisa, que vem à cabeça ao caminhar pelo Centro da Cidade, hoje sem glamour, sem aquela turba caminhando, sem mensageiros apressados e sem o “encanto da minha juventude”...

  

Das percepções e pesquisas de
Antônio Figueiredo – Entre Algum Lugar entre a Bahia e São Paulo
Economista, Escritor, Empresário, Militante Apartidário Parlamentarismo e Voto Distrital Puro. Ex - Ativista Movimentos Sociais Católicos/ Metalúrgico/ Estudantil (1961/73). Operário da Cidadania
 
 
 

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