“(...) Nós, leitores de hoje, estamos ameaçados de
extinção, mas ainda temos de aprender o que é leitura (...)!”1
A
leitura é polêmica? Não. O ato de ensinar leitura sim. Benveniste tinha razão
quando afirmava: “Toda pessoa necessita
de outrem para “vir” ao mundo e se desenvolver, pois o ”eu” não existe senão
como reciprocidade de outrem; o “eu” isolado, na verdade, não é mais que uma
abstração.” (1966, t. 1:26,74).
Célia2 também quando aventura-se pela psicanálise
para entender razões de tanto não aprendizado e uma tentativa de “busca” de motivos que levam a esta não
leitura. A criança antes de se tornar aluno continua criança. Os mestres “esquecem” este detalhe e dão-lhe novo “rótulo” e um mundo estranho. O dos
professores e suas tribulações e não da leitura.
Cada
pequeno ser, antes de se tornar aluno, possui um mundo a parte. A leitura deve
acrescentar a este mundo todas as necessidades que devem ser descobertas pelas
próprias dificuldades. Como fazer? Conhecer a criança antes de tudo. O seu
mundo. Fazer-se convidado para
conhecê-lo. A sua forma de ver e sentir este mundo e não o do professor ou de
literatura, tão estranha até para o próprio mestre. Leitura não é simplesmente “saber ler”, repetir palavras escritas.
E esse sistema não está somente inserido no Ensino Fundamental, ele continua
até a academia com os mesmos “sintomas”
da ausência de empatia básica com o aluno.
A
citação de Célia, sobre Bettelhein, foi somente um enxerto e não a ideia
completa. Não são os professores que “encontram
o significado da vida para o aluno”, serão eles mesmos em futuro incerto.
Querer “buscar” significado de vida
para o outro é no mínimo arrogância e disfunção daquele que ousa intitular-se “professor”. Mostrar caminhos, os mais
diversos possíveis para que ele encontre e decida? Sim. E a leitura poderá ser
o caminho de entendimento e compreensão de toda esta complexidade do ser, se o
professor estiver preparado, com ele mesmo, em sua autoestrutura, e somente
depois com a pedagogia.
O grande escritor e psicanalista, brasiles,
Rubem Alves3 tem uma maneira, peculiar, de se referir a
isso: “... E que outra maneira existe de
se comunicar com as pessoas comuns senão simplesmente dizer às palavras que o
amor escolhe?”, (...) continua o autor, citando Fernando
Pessoa: ”Arte é a comunicação aos outros
de nossa identidade intima com eles.”.
A identidade de cada um se constrói
progressivamente, após o nascimento, no ritmo de suas interações com a mãe, com
os demais membros da família, com os amigos, com os professores e, mais tarde,
com as demais pessoas que encontrará no curso de sua vida.
Ronaldo
Laing4,
nos excertos abaixo, de uma profundidade excepcional, põe em relevo as
extraordinárias implicações das conversas, dos intercâmbios de palavras (1971: 115): “São os outros que nos dizem quem somos. Mais tarde, ou endossamos a
definição que fazem de nós, ou tentamos nos desvencilhar dela... É difícil não
aceitar a versão dos outros. Podemos nos esforçar para não sermos aquilo que,
no fundo de nos mesmos, “sabemos” que somos. Podemos nos esforçar por extirpar
essa identidade” estrangeira de que fomos dotados ou a que fomos condenados, e
criar com nossos próprios atos uma identidade por si mesma, a qual
obstinadamente buscamos fazer confirmar pelos outros. No entanto, quaisquer que
seja, posteriormente, as vicissitudes, nossa primeira identidade social já nos
foi concedida. Aprendemos-nos “a ser aquilo que nos disseram que somos.”. E
esta responsabilidade, buscada pelo professor, através da leitura, se
perpetuará ou não. Será benéfica, ou não. As formulações técnicas, “exigidas” pelo sistema, como ortografia,
gramática, poderão fazer parte, mais tarde da vida do aluno, ou não. O que se
esta buscando é uma formulação, própria de cada criança, para que se insira
neste “mundo da leitura”. Apenas
isso. Identificar cada “mundo” e
inserir-se. Agora sim será tarefa do professor.
Este dito “processo”, que
depois se tornará mais comum, social, para o aluno, em sua gênese, talvez tenha
sido esquecido há muito. Mas o professor não deve esquecer que uma era os
transmite a outra sem estar consciente do processo como um todo, e os conceitos
sobrevivem, enquanto esta cristalização de experiências passadas e situações
retiver um valor existencial, uma função na existência concreta da própria
educação.
Depois da sociedade – isto é, enquanto gerações sucessivas puderem
identifica suas próprias experiências no significado das palavras.
A pressão
aos professores não é originada pelo futuro leitor e sim pelo “sistema” do qual ele faz parte. Em meio
a toda tribulação em que o “mestre”
encontrar-se, buscará em seu discernimento as “fórmulas” básicas de interação com o ser, após, a leitura, será
uma consequência.
O professor ainda
tem, em sua memória genética, sistemas do “decorar”.
Uma espécie de automatização educacional que ainda não se perdeu nas “nuvens escuras do tempo”. A aprendizagem de cor como meio para educar
ou condicionar desempenhava um papel muito mais importante na sociedade
medieval, onde os livros eram relativamente raros e caros, do que hoje, e esses
preceitos rimados eram um dos meios usados para gravar na memória da pessoa.
Hoje não. Temos acervos inesgotáveis, ao gosto de cada um. E a pesquisa de cada
obra deverá ter a relevância com as necessidades de cada “serzinho” que se encontrará em sala de aula. E o professor,
enquanto educador deve ter como obrigação, esta descoberta. Somente após terá
condições, através de suas técnicas de aprendizado, levar o que julgar
importante, e até o que o “sistema” exigir
que seja feito.
Nosso futuro – o futuro da história de nossa leitura – foi explorado por
santo Agostinho (*), que tentou distinguir entre o texto visto
na mente e o texto falado em voz alta; por Dante (*), que questionou os limites do poder de interpretação do leitor; pela
senhora Murasak (*), que defendeu a
especificidade de certas leituras; por Plínio (*), que analisou o desempenho da leitura e a relação entre o escritor que
lê e o leitor que escreve; pelos escribas sumérios que impregnaram o ato de
ler com poder político: pelos primeiros fabricantes de livros, que achavam os
métodos de leitura de rolos (como os
métodos que usamos agora para ler em nossos computadores) limitadores e
complicados demais, oferecendo-nos a possibilidade de folhear as paginas e escrevinhar nas imagens. “Você não pode embarcar de novo na vida,
esta viagem de carro única, quando ela termina”, escreveu o romancista
turco Orhan pamuk (*) em “O Castelo Branco”,
mas, se tem um livro na mão, por mais complexo e difícil que seja
compreendê-lo, ao terminá-lo você pode, se quiser, voltar ao começo, ler de
novo, e assim compreender aquilo que é difícil, assim compreendendo também a
vida.
Somente assim Benveniste[i],
poderá ter suas razões. Mas em seu tempo. Necessitamos buscar as nossas. Para o
nosso tempo.
Pensar não dói! A Leitura também não!
1. Alberto Manguel - Uma História da
Leitura – SP - Companhia das Letras, 1997
2. Silva, Célia Ribeiro da – PG – UEL – Leitura no Ensino Fundamental –
Prazer ou Tortura – Unipar.
3. Alves, Rubem
– Se Eu Pudesse Viver Minha Vida Novamente – p.23 – Versus – SP – 2004.
4. Laing, R.D. Lê moi divisé, de la santé mentale à la
folie, Paris, Stok, 1970 –
5. (*) Citados por Alberto Manguel, IBID.
Leituras & Pensamentos da Madrugada!
Publicado em 06.02 em:
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