domingo, 20 de abril de 2014


O Escritor e Amigo Toni Figueiredo
É o Convidado especial da Sala de Protheus!

 
Geração 1960 no  Brasil!
– A Verdade de Quem?
 

 

 
“... Ao Professor Capella de História do Brasil do SENAC – SP nos idos de 1959, que só dava notas 10 para Deus, 9 para professores e 8 para os alunos e assim me desafiava a ombreá-lo...!”

O autor.

  
Ainda era muito pequeno e já me interessava em saber das origens e sagas dos meus antepassados. Os Figueiredo do lado paterno e os Souza do lado materno. Da parte de meu pai e na figura de meu avô, que era um “bon vivant” profissional, pouca coisa se nos deu a conhecer, além de umas poucas vezes em que o “álcool contava histórias” e que de imediato meu pai, prudente e celeremente nos afastava da sala, pois não eram histórias apropriadas aos ouvidos da nossa tão tenra infância. Já da de minha avó materna foram muitas as noites, em que sentado aos seus pés enquanto tricotava “tapetes de meias velha”, aquelas de fio Escócia, “viajava” com as suas histórias de infância e juventude no início do Sec. XX em seu Trás os Montes quase selvagem, extremamente pobre e de sobrevivência litigiosa entre homens e lobos.

Como toda história de camponeses e suas terras, ambos muito pobres, do Norte de Portugal, eram despossuída de grandes heroísmos e ambições, mas farta em tenacidade e teimosia frente à dura realidade quotidiana. Foi assim que a história de minha família projetou-se na minha história e caráter pessoal, ensinando-me com seu exemplo de luta e abnegação, persistência e estoicismo, fracassos e sucessos, esperanças e objetivos traçados para a “Nova América”. Idêntica é a história de milhões de imigrantes italianos, alemães, japoneses, espanhóis e de muitos outros países em menor escala projetada sobre a de seus descendentes aqui no Brasil e isso sem deixar de contar os milhões de “imigrantes forçados”, negros, oriundos das múltiplas tribos africanas. Esse “povo” escreveu a “parte obreira” da História do Brasil, que não está nos livros.

Sabemos muito bem que são as classes mais abastadas e oligarcas os que escreveram e ainda hoje escrevem a nossa História Oficial transmitida nos ciclos básicos e que “deforma” a construção do “cidadão mirim”, não desafia à pesquisa e evolução do conhecimento ao jovem no “ciclo médio” e acaba sendo escrita de acordo com conveniências de professores no “ciclo universitário”. Não existe uma “responsabilidade educacional” para que todos apreendam a “mesma História”, ainda que em níveis de detalhes distintos à capacidade de absorção do educando.

Mas vamos aos fatos e falo de São Paulo. A década de 1960 introduziu no mercado de trabalho uma grande quantidade de “menores aprendizes” oriundos de famílias de “baixa renda” das periferias metropolitanas de então, que começaram uma verdadeira revolução tecnológica nos costumes, no comportamento social, no Mercado, na Indústria e no Comércio no Brasil. Em sua grande maioria eram jovens na faixa dos 13 para admissão e de 16 anos os que saiam das instituições técnicas básicas “plenamente profissionalizadas”. Do SENAI e de algumas Escolas Técnicas, (Getúlio Vargas e Escola Técnica Federal) em menor volume, formaram-se Torneiros Mecânicos, Fresadores, Ajustadores Mecânicos, Ferramenteiros, Gráficos e Tecelões, entre outras profissões e do SENAC, Auxiliares de Escritório, já com excelentes conhecimentos de datilografia e Contabilidade.

Hoje é totalmente incompreensível o porquê de sofrermos com a “falta de mão de obra qualificada” e porque este modelo foi abandonado por tantos anos, mormente constatando-se que a ascensão social de um ex-presidente é dele originária. Foi nessa mesma época, que muitos profissionais de nível médio foram agraciados com um “diploma de mérito prático” pela experiência adquirida no exercício das suas profissões. Assim Contadores, Boticários, Boticões, Jornalistas e muitas outras profissões obtiveram seu registro em Conselhos Regionais Profissionais, agraciamento este que não atingiu profissões como Médicos Engenheiros e Advogados. Não pelo menos nos grandes centros.

Essa geração de adolescentes foi certamente a que sofreu o “processo de passagem” mais traumático de todos os tempos no Brasil. Recém saída das escolas primárias públicas periféricas e totalmente ignorante do mundo real, dado ao precário acesso à informação jornalística, (fora de seu poder aquisitivo), rádio, (privilégio da classe média) e televisão (privilégio da classe rica) e em sua grande maioria “castrados” pela rígida influência religiosa, não é difícil de imaginar o choque já na subida de nível para essas escolas mais cosmopolitas e globalizadas em contraste com o provincianismo bairrista. Existia, além do mais uma escala de importância de acordo com a periferia de origem. Os bairros mais tradicionais e próximos do centro das metrópoles buscavam impor uma precedência e ascendência sobre os da periferia mais distante.

Um posterior “choque de gerações” ocorria dentro das empresas, que contavam exclusivamente com “profissionais adultos” formados em grande parte dentro dessas empresas segundo as exigências das tarefas específicas e que se esforçavam em manter sob seu controle essa nova “força laboriosa” mais preparada tecnicamente, pregando a supremacia do tempo e da prática no trabalho, como prevalecentes à qualquer teoria. O parque de máquinas do Brasil da época era extremamente obsoleto e no geral tanto o SENAI quanto as Escolas Técnicas treinavam esses “aprendizes” em equipamentos muito mais modernos tecnologicamente. O SENAC já começava a introduzir conceitos de processos contábeis já da melhor tecnologia de ponta de então.

Entretanto os “práticos” pregavam pelo “senso comum” de que os jovens deveriam pagar um “preço de admissão” e integração ”nesse mundo adulto” e por isso a eles destinavam “tarefas menos nobres (tecnicamente)”, além de depreciar sua “opinião técnica” na discussão de soluções, ainda que embasada e desta maneira a integração do jovem era condicionada a que ele se submetesse às “regras do jogo” e a subordinação aos “grupos adultos”. Esta era uma marca muito forte nessa geração, fruto da educação e disciplina rígidas de obediência às opiniões e valores transmitidos pelos “antepassados”.

Outra novidade apareceu nessa época, quando esses “jovens profissionais” constituíram-se num novo grupo de consumidores no mercado, até então composto exclusivamente de adultos. A onda de rebeldia gerada pelo “rock ‘n roll” incentivava o uso de jeans e adereços e mudava comportamentos, como uma forma de pressão reivindicatória por um “espaço social” e isso não passou despercebido às instituições políticas e religiosas, (é desse tempo o enraizamento mais profundo no Brasil das Juventudes Católicas – Estudantil (JEC), Operária (JOC) e Universitária (JUC) com “ideário ajustado à realidade social” do Padre Cardjin). Participei da JOC nos anos 60. O aproveitamento dessa força inovadora se fez mostrar também na constituição de inúmeros clubes de futebol de campo amador pela várzea paulistana, clubes de futebol de salão e de tênis de mesa, todos em regime de “vaquinha” entre jovens.

Nos sindicatos da classe operária a influência e força arrigimentadora sobre esta geração também se fez sentir. Em rebelião contra os “sindicatos controlados” desde a Era Vargas começou a se fazer presente a “orientação proletária” nos grandes sindicatos da época e assim Metalúrgicos, Bancários, Gráficos e Portuários, seguiram a tendência europeia da década anterior e deles apossaram-se próceres oriundos do PCB, que habilmente, através dos “práticos” de dentro das fábricas e locais de trabalho, engajaram essa “força emergente”, utilizando-a como “massa”, da qual fiz parte em 1961 como bancário e 1964 como metalúrgicos e pude “ver de dentro” esses procedimentos.

Outra falácia fartamente acreditada nos dias de hoje é a de que o DOPS foi ativo apenas nesse período histórico. Na verdade foi criado em 1927 e sua atuação mais marcante foi durante o Estado Novo, (1930-1937), quando se acredita que mais de 20.000 detenções foram feitas e cujos procedimentos de “controle social”, (torturas e assassinatos) levaram o prestigioso jornalista David Nasser da revista O Cruzeiro a escrever o livro: Falta alguém em Nuremberg. (Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1966) sobre o período de Felinto Muller à frente da Delegacia Especial de Segurança Pública e Social. O uso de veículos blindados de controle de “tumultos sociais” também era de larga aplicação desde então. Os Governos Militares pós 64 também se utilizaram dessa estrutura e seus métodos, de eficácia comprovada. Não por acaso Felinto Muller alinhou-se à Revolução desde as primeiras horas.

Não tenho aqui a pretensão de “lançar luzes” e “escrever (reescrever)” os eventos deste período, mas tão somente a de “detalhar” o terreno e clima, que fizeram germinar mais uma das múltiplas “intervenções militares”, que permearam o Século XX na política brasileira. O que a História nos ensina é que todos esses acontecimentos foram “degraus democráticos”, que nos trouxeram até os dias de hoje e é essa lição que deve ser “entendida”.

Só existe uma Comissão da Verdade. A que nos fará a todos conscientes da “verdade histórica única”, que “unirá” a todos os brasileiros pelo aprendizado das vitórias e fracassos que tivemos na “construção da Nação e da Cidadania”.

P.S: Aos muitos Barões de Munchhausen
ainda sobreviventes no Brasil. Que me contradigam!

 
Das percepções e pesquisas de
Antonio Figueiredo – Entre Algum Lugar entre a Bahia e São Paulo
Economista, Escritor, Empresário, Militante Apartidário Parlamentarismo e Voto Distrital Puro. Ex - Ativista Movimentos Sociais Católicos/ Metalúrgico/ Estudantil (1961/73). Operário da Cidadania
 

 

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