A
Consciência e o Ser!
“... O
mundo fica mais perto de cada qual, não importa onde esteja. Cria-se, para toda
a certeza e a consciência de ser mundo e de estar no mundo, mesmo se ainda não
o alcançamos em plenitude material ou intelectual. O próprio mundo se instala
nos lugares, sobretudo nas grandes cidades, pela presença maciça de uma
humanidade misturada, vinda de todos os quadrantes e trazendo consigo
interpretações variadas e múltiplas que ao mesmo tempo se chocam e colaboram na
produção renovada do entendimento e da crítica da existência. Assim, o
cotidiano de cada qual se enriquece, pela experiência própria e pela do
vizinho, tanto pelas realizações atuais como pelas perspectivas de futuro..."
- SANTOS, Milton O recomeço da história.
In:
Folha de S. Paulo, São Paulo,2000
Dentre os
vários conceitos que os pensadores nos deixaram, não existe nenhum outro tão
especial quanto os relativos à consciência de ser, e ainda, à maneira como o
indivíduo se revela no mundo (estar-no-mundo). Um está diretamente ligado ao seguinte, pois
somos qualificados como homo sapiens,
ou seja, o ser que sabe que sabe ou o ser que tem consciência da sua presença
dentro do próprio mundo.
Sabedor
desses fatos, o filósofo Nietzsche, levantou quatro questões fundamentais
atinentes à consciência de ser no mundo em seu livro "Crepúsculo dos Ídolos", fazendo com que nós, seus
interlocutores, possamos ter um momento de meditação e aprofundamento de
vida.
A
primeira questão fundamental que Nietzsche coloca é a seguinte: "Você corre à frente? – Como pastor ou
como exceção? Ou (terceira possibilidade) como fugitivo?".
Talvez,
possa parecer que não haja muito sentido nessas palavras, porém, se dermos asas
à nossa imaginação, com certeza poderemos contemplar o que estas
indagações querem nos dizer.
A
nossa existência é bem curta, logo os sabores da juventude passam e, para que
não olhemos para trás e sejamos pegos de surpresa pelo tempo, faz-se necessário
que sempre estejamos à frente da nossa própria história, contemplando-a com
firmeza e coragem, podendo vê-la como ela realmente é, sem máscaras ou maquiagem.
Contudo,
para se dar conta disso (ter consciência
de), é necessário ao ser
humano, compreender e perceber como é o
seu modo básico de ser no mundo, que segundo podemos ver em Nietzsche são três: o modo de ser como
pastor, o modo de ser como exceção ou o modo de ser como fugitivo.
O modo
de ser pastor é daquele que se dirige a si próprio (provisão é o seu nome), que sabe se conduzir, que tem a capacidade
de guiar a sua vida aos pastos verdejantes e às águas tranqüilas; o modo de ser
exceção é daquele que se coloca à margem da sua própria existência, aquele que
procura sempre viver na dependência do outro (a história e o modo de ser do outro é sempre melhor do que o seu),
aquele que não consegue se vir como autor e ator do roteiro da sua vida, aquele
cuja palavra chave para o seu viver é a exclusão; finalmente, o modo de ser
fugitivo, é daquele que apesar de se conhecer e saber o que pode fazer, opta em
abraçar os medos e temores que o assaltam, com isso passa a correr, não à
frente, mas correr da vida, fugir dela, buscar aquilo que muitos chamam de
suicídio (evasão é a sua senha).
Na
medida em que se entende isso, somos levados à segunda questão fundamental
colocada por Nietzsche, qual seja: "És
sincero ou só comediante? Representas algo ou és a própria coisa representada?
– Por fim, talvez sejas apenas a imitação de um comediante...".
Aqui
o filósofo alemão, procura tornar mais clara à percepção de si cada pessoa pode
ter na sua existência. Se a pessoa é
sincera consigo mesma, se ela não tenta se enganar, se ela não representa, se
ela consegue esclarecer para si e viajar no seu próprio interior. Com certeza,
esse indivíduo terá grandes possibilidades de ter consciência como é o seu modo
de ser no mundo (pastor, exceção ou
fugitivo) e, com isso, mudar e progredir.
Contudo, se a opção do sujeito for fazer de si mesmo uma grande piada,
buscando com isso abafar os seus desafetos e desilusões, a tendência é
prosseguir na cegueira e não resolver as suas pendências existenciais.
Por essa razão, Nietzsche prossegue na sua
explanação, dizendo: "É alguém que
olha? Ou estende a mão? - Ou desvia o olhar e se afasta?...". Nesta terceira questão fundamental, é
enfatizado que a pessoa consciente de si, que tem bem explícito o seu modo de
ser na existência e, que procura sinceramente, ver a sua própria vida, pode
olhar e, em olhando, estender sua mão, mudar o seu ambiente, construir novas
relações, manter-se firme nos seus propósitos e ser solidária nas suas ações.
Quem não consegue se ver, segundo esta linha
de raciocínio, não pode ver o outro ou, quando muito, caso veja, imediatamente,
desvia o olhar e se afasta. Esse
redirecionamento do olhar, essa atitude de repelir o que está sendo
contemplado, é uma reação de pavor.
Quando uma pessoa desvia o seu olhar, é porque
vê na imagem alheia, os fantasmas horripilantes que aterrorizam a sua existência. Como resolver isso? Através da luz da consciência. Dar-se conta de quem se é, buscando uma
constante mudança, vendo e percebendo o seu modo de ser no mundo, eis a
resposta.
Finalmente,
Nietzsche conclui a sua ponderação, estabelecendo a quarta questão fundamental,
quando fala: "Queres ir com os
outros? Ou mais adiante? Ou caminhar só?... Importa saber o que se quer e quê
se quer." Não obstante a troca e o intercâmbio com as outras pessoas
ser muito importante, é primordial ter em mente que só a própria pessoa tem o
poder para modificar a sua existência.
Podemos
ir com os outros, podemos seguir mais adiante, mas ninguém, nem mesmo os nossos
seres mais próximos e queridos, podem tomar a resolução mais acertada para a
nossa vida individual. O conselho do
outro é importante, ajuda graciosa dos amigos é relevante. Contudo, somente a
própria pessoa pode saber o que se quer e quê se quer, ou seja, qual é o objeto
do seu desejo e como fazer para alcançá-lo.
Deste modo,
importa que tenhamos a cada dia, uma consciência clara e nítida de quem estamos
sendo na nossa existência individual, para que com isso, possamos a partir
desta consciência de si, modificar a nossa maneira de ser no mundo, a fim de
que em fazendo assim, tenhamos uma perspectiva mais real e nítida de como são
as pessoas e as coisas à nossa volta.
Certamente, essa postura diante da vida, poderá enriquecer o nosso
cotidiano, tornando-nos pessoas realizadas e plenamente satisfeitas em existir.
Afinal
pensar ainda não dói...!
Transpirado
das Pesquisas de
Marco A. N. Sales e
Crepúsculo
dos ídolos – Friedrich Nietzsche
Publicado
no Grupo Kasal – Vitória – ES –
www.konvenios.com.br/articulista
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