O Dr. e Prof. Luis A. R. Branco de
Lisboa – Portugal
É o convidado da Sala de Protheus -
“Hedonismo”
- Necessidade
ou Desejo? –
Em primeiro lugar acredito que devido
às diferentes ideias sobre o real significado da palavra hedonismoseja-nos
necessário esclarecer nossa perspectiva epistemológica da palavra, para
assim estabelecer um plano comum do pensamento que conduzirá este breve texto.
Portanto, hedonismo é a concepção de que de que o prazer (incluindo a ausência
da dor) seja o único bem intrínseco da vida. A palavra tem sua origem no
grego hedonikos, que quer dizer prazeroso. A filosofia
hedonista teve por pais Epicuro e Aristipo de Cirene, surgindo na Grécia antiga
por volta do Séc. IV a.C.
O hedonismo é a busca excessiva do
prazer, o que não significa o mero prazer físico, mas envolve todas as esferas
da vida. A filosofia classificou três tipos de hedonismo: O hedonismo
psicológico, que tem como base a ideia de que em todas as ações o ser humano
tem a intenção de obter mais prazer e menos sofrimento. O hedonismo ético, que
tem como princípio o fato do homem contemplar o prazer e os bens materiais como
as coisas mais importantes da vida. E o hedonismo psicológico empírico, que tem
por princípio a busca pelo prazer como a atitude mais importante na conquista e
realização pessoal.
De certa forma o hedonismo como
proposto nas escolas cirenaicas e epicuristas tem como fator negativo a super
valorização do desejo, da vontade, do egoísmo e individualismo, sendo portanto,
contrário a muitos valores humanos e principalmente religiosos. Mario Vargas
Llosa explica em seu livro “La civilización del espectáculo”[1] que o problema
dos nossos dias tem sido o desenvolvimento de uma cultura disposta a sacrificar
tudo pelo mero prazer e diversão. Isto significa que para a sociedade atual as
coisas mais importantes são as prazerosas e divertidas e sendo o prazer e a
diversão os mais importantes bens da vida, nada mais importa, a não ser uma
espécie de carnaval eterno que absorve desde a vida privada, à todas as áreas
que compõe uma sociedade, envolvendo as questões relativas à teologia,
filosofia, ética, biologia, psicologia, sociologia, leis, política, economia e
história. Portanto, vivemos numa sociedade disposta a sacrificar seus valores
em cada uma das áreas supra citadas, por mero prazer, satisfação e realização
pessoal. O grande problema desta forma de vida é que ela nos transforma em
presas e predadores.
Num texto mais exaustivo poderíamos
discorrer sobre cada uma destas áreas, mas num texto condensado, apenas à
título de exemplo, podemos falar da ética, cada vez mais relativizada,
desvalorizada e desrespeitada de forma grotesca por indivíduos comuns como por
governantes, tornando a sociedade em um caos moral de desrespeito aos bens
públicos e privados, ao indivíduo e a sociedade como um todo. É importante
entender que de forma prática, a busca excessiva pelo prazer individual é sem
dúvida o motor propulsor da corrupção coletiva que assistimos hoje
descaradamente no Brasil. Sendo assim, faz todo sentido o discurso da Deputada
Estadual Cidinha Campos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro no dia 24
de Março de 2010 quando disse que a corrupção no Brasil já faz parte do DNA do
brasileiro[2]. Obviamente, que o sentido usado pela deputada é figurativo e não
biológico, mas certamente já o é culturalmente. Outro exemplo de hedonismo
exacerbado é o que diz respeito ao sexo e a sensualidade, hoje áreas da vida
sem quaisquer limites na sociedade, ao ponto de educação sexual que deveria ser
uma prerrogativa familiar, passou a ser do Estado, e um estado corrompido
moralmente.
Como contra proposta a este hedonismo
vigente, o teólogo protestante John Piper apresenta-nos em seu livro “Brothers,
We Are Not Professionals: a Plea to Pastors for Radical Ministry”[3] aquilo que
ele chama dehedonismo cristão: “Por hedonismo cristão, eu não quero dizer
que a nossa felicidade é o bem maior. Quero dizer que a busca do bem maior
sempre resultará em nossa maior felicidade no final. Mas quase todos os
cristãos acreditam nisso. Hedonismo cristão diz que devemos buscar a
felicidade, e persegui-la com todas as nossas forças. O desejo de ser feliz é
um motivo adequado para toda boa obra, e se você abandonar a busca de sua
própria alegria, você não pode amar o homem ou agradar a Deus.”
Em resumo John Piper diz: “O
hedonismo cristão visa substituir uma moral kantiana por uma moral bíblica.”Isto
porque Kant foi sem dúvida um dos filósofos mais recentes a escrever sobre este
hedonismo exacerbado e imoral.
Em suma, respondendo nossa pergunta
inicial, o hedonismo é uma necessidade, que deve obedecer princípios éticos e
morais, para que seja legitimado e produza resultados positivos não apenas para
um indivíduo mas para toda a sociedade. E para concluir, acrescento a este
texto um excerto do livro Verdade na Prática: Textos Selecionados[4]:
“A felicidade no cristianismo é
considerado um marco fundamental da salvação. Pressupõe-se que todo aquele que
é cristão é feliz. Numa metáfora para nos ajudar em nosso pensamento, desejo
explicar de forma simples como podemos entender a diferença entre a felicidade
e a alegria. A alegria é um contentamento esporádico na vida, enquanto que a
felicidade é o estado em que se vive. Se comparássemos a alegria e a felicidade
com uma árvore, diríamos que a felicidade é a árvore e a alegria os frutos da
árvore. Os frutos dependem das estações do ano, dependem de uma boa terra e de
um bom jardineiro para surgir no momento certo, já a árvore, esta existe o ano
inteiro.
Semelhantemente, a alegria pode estar
a espera da estação certa para aparecer, mas a felicidade segue todo o ano, e
em todas as estações. A ausência desta felicidade é vista pela maioria como o
fim da vida. Nietzsche escreveu que: “A ideia do suicídio é um potente meio de
conforto: com ela superamos muitas noites más.”(1]) Portanto, não é de se
admirar que aquele que se vê infeliz, veja o final da vida, muitas vezes pelo
suicídio, como algo razoável. E Nietzsche disse ainda: “O suicídio é admitir a
morte no tempo certo.”(2)
O teólogo católico espanhol José
Maria Arnaiz escreveu algumas observações sobre a felicidade(3):
É importante evitar o risco de
confundir o bem-estar material com a felicidade; isso seria como confundir a
fantasia com a realidade, os meios com os fins, a embalagem com o conteúdo, o
prazer com a alegria, a aparência com a existência.
Todas as pessoas que foram à Jesus
com um desejo genuíno de encontrarem a felicidade e se deixaram conduzir pelos
padrões de Deus foram satisfeitas nas suas buscas. No entanto a Bíblia nos fala
de um jovem rico, que pensava que sua felicidade estava condicionada às suas
posses. Quando Jesus lhe mostra que o mais importante é dar do que receber (At
20:35), ele fica desapontado e o Evangelista Marcos registrou: “Mas ele,
pesaroso desta palavra, retirou-se triste; porque possuía muitas propriedades”
(Mc 10:22).
Semelhante, muitos estão a viver
infelizes pois sua felicidade esta condicionada ao bem-estar material.
José Maria Arnaiz continua:
A felicidade é o bom depósito que
deixam nossos anos, é o que nos devolve a vida como reação a tudo o que vivemos
e demos de liberdade, de verdade, de justiça e amor; há vidas que deixam um
sabor de insatisfação, de infelicidade e de tarefa não cumprida… Isso ocorre
quando nelas há algo que não funcionou.
O viver irresponsável, seja em que
área for, nos trará resultados negativos. O texto Sagrado fala de algo chamado
pelos teólogos de “A lei da semeadura”, pois diz: “Não erreis: Deus não se
deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl
6:7). Se você só semeou tolices, arrogância, rejeição, inimizades,
imoralidades, e coisas semelhantes a esta, o que espera colher? Mas, ainda há
tempo para mudar as sementes, e semear as coisas certas, para colher coisas
boas.
José Maria Arnaiz diz ainda:
A felicidade não se apresenta como
uma diversão continua… nem sequer como um estar contentes e alegres todo o dia,
nem mesmo como um sonho colorido do futuro… Está claro que (a felicidade) não
se trata de pedir uma carga leve para andar pelo mundo, e sim, bons ombros para
carregá-la com facilidade. A felicidade está em algo mais profundo. Algo que
subsiste sob os sofrimentos e alegrias de cada dia, do ter ou não ter, do
mandar ou não mandar, da saúde ou da doença… Tem relação com o saber que
estamos onde queremos estar e queremos estar onde temos de estar.
Sempre ouvimos a seguinte frase: “Ah,
se o você soubesse da minha vida!” Com esta frase parece que temos todas as
razões do mundo para sermos infelizes. O escritor português Miguel Esteves
Cardoso escreveu que: “Em Portugal dizer «Eu sou feliz» é como dizer «Eu sou
rico»… é como confessar uma anormalidade”.(4) Isto nos mostra que há aqueles
que tem tornado a infelicidade uma cultura. Cardoso diz ainda que: “Em
Portugal, o que convém é andar mais ou menos”.
Se esperamos um viver feliz, o
cristianismo nos convida fazer alterações na nossa maneira de ver a felicidade.
Na cultura bíblica da felicidade, Deus é a sua essência, ele é a sua razão, ele
é o seu motivo e sua causa. A Bíblia nos diz que: “…Cristo em vós, esperança da
glória” (Cl 1:27).
Isaías 53:5 diz: “…o castigo que nos
traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados”. A palavra
paz usada neste texto é “shalom”, cujo significado é muito além de simplesmente
paz, mas compreende todos os aspectos necessários para uma vida feliz. Shalom
também não significa a ausência da guerra, mas sim, a presença do Príncipe da
Paz (Is 9:6).
Em Efésios 2:14 diz: “Porque ele é a
nossa paz…” – Ele quem? Jesus, ele é o “shalom”. Terminaremos com uma citação
de John Piper: “Na conversão encontramos o tesouro oculto do reino de Deus.
Arriscamos tudo nele. E, ano após ano, nas lutas da vida, comprovamos
repetidamente o valor do tesouro e descobrimos novas profundidades de riquezas
que não conhecíamos. Assim a alegria da fé cresce. Quando Cristo nos chama para
um novo ato de obediência que nos custe algum prazer temporal, lembramo-nos do
valor insuperável que é segui-lo e, pela fé no seu valor insuperável que é
segui-lo e, pela fé no seu valor provado, esquecemos o prazer mundano. Qual é o
resultado? Mais alegria! Mais fé! Mais profunda que antes. E assim avançamos de
alegria em alegria, de fé em fé.”
Como filosofo cristão não posso
conceber a possibilidade de uma felicidade sem Deus e sem limites.
Luis A R Branco é
Teólogo, Poeta, Filósofo, Escritor, Proessor,
Licenciado em Teologia –
Mestre em Admnistração Eclesiática –
Doutor em Ministério – Doutorando em
Filosofia – Brasilês, atualmente residindo em Lisboa Portugal.
[1] Mario Vargas Llosa, La
Civilización Del Espectáculo, 1a. ed. (México, D.F.: Alfaguara/Santillana,
2012).
[2] Cidinha Campos,
“Revolta da dep. Cidinha Campos com 'os que mamam', principalmente dep. José
Nader” (video), Março, 24, 2010, 4:18, accessed February 5, 2014, http://www.youtube.com/watch?v=q21rM03_R18.
[3] John Piper. Brothers,
We Are Not Professionals: a Plea to Pastors for Radical Ministry. Nashville,
TN: Broadman & Holman Publishers, 2002.
[4] Luis Alexandre Ribeiro
Branco. Verdade na Prática: Textos Selecionados, Petrópolis, Clube de Autores,
2014.
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