sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O Dr. e Prof. Luis A. R. Branco de Lisboa – Portugal
É o convidado da Sala de Protheus -


“Hedonismo”
- Necessidade ou Desejo? –




Em primeiro lugar acredito que devido às diferentes ideias sobre o real significado da palavra hedonismoseja-nos necessário esclarecer nossa perspectiva epistemológica da palavrapara assim estabelecer um plano comum do pensamento que conduzirá este breve texto. Portanto, hedonismo é a concepção de que de que o prazer (incluindo a ausência da dor) seja o único bem intrínseco da vida. A palavra tem sua origem no grego hedonikos, que quer dizer prazeroso. A filosofia hedonista teve por pais Epicuro e Aristipo de Cirene, surgindo na Grécia antiga por volta do Séc. IV a.C.

O hedonismo é a busca excessiva do prazer, o que não significa o mero prazer físico, mas envolve todas as esferas da vida. A filosofia classificou três tipos de hedonismo: O hedonismo psicológico, que tem como base a ideia de que em todas as ações o ser humano tem a intenção de obter mais prazer e menos sofrimento. O hedonismo ético, que tem como princípio o fato do homem contemplar o prazer e os bens materiais como as coisas mais importantes da vida. E o hedonismo psicológico empírico, que tem por princípio a busca pelo prazer como a atitude mais importante na conquista e realização pessoal. 

De certa forma o hedonismo como proposto nas escolas cirenaicas e epicuristas tem como fator negativo a super valorização do desejo, da vontade, do egoísmo e individualismo, sendo portanto, contrário a muitos valores humanos e principalmente religiosos. Mario Vargas Llosa explica em seu livro “La civilización del espectáculo”[1] que o problema dos nossos dias tem sido o desenvolvimento de uma cultura disposta a sacrificar tudo pelo mero prazer e diversão. Isto significa que para a sociedade atual as coisas mais importantes são as prazerosas e divertidas e sendo o prazer e a diversão os mais importantes bens da vida, nada mais importa, a não ser uma espécie de carnaval eterno que absorve desde a vida privada, à todas as áreas que compõe uma sociedade, envolvendo as questões relativas à teologia, filosofia, ética, biologia, psicologia, sociologia, leis, política, economia e história. Portanto, vivemos numa sociedade disposta a sacrificar seus valores em cada uma das áreas supra citadas, por mero prazer, satisfação e realização pessoal. O grande problema desta forma de vida é que ela nos transforma em presas e predadores.

Num texto mais exaustivo poderíamos discorrer sobre cada uma destas áreas, mas num texto condensado, apenas à título de exemplo, podemos falar da ética, cada vez mais relativizada, desvalorizada e desrespeitada de forma grotesca por indivíduos comuns como por governantes, tornando a sociedade em um caos moral de desrespeito aos bens públicos e privados, ao indivíduo e a sociedade como um todo. É importante entender que de forma prática, a busca excessiva pelo prazer individual é sem dúvida o motor propulsor da corrupção coletiva que assistimos hoje descaradamente no Brasil. Sendo assim, faz todo sentido o discurso da Deputada Estadual Cidinha Campos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro no dia 24 de Março de 2010 quando disse que a corrupção no Brasil já faz parte do DNA do brasileiro[2]. Obviamente, que o sentido usado pela deputada é figurativo e não biológico, mas certamente já o é culturalmente. Outro exemplo de hedonismo exacerbado é o que diz respeito ao sexo e a sensualidade, hoje áreas da vida sem quaisquer limites na sociedade, ao ponto de educação sexual que deveria ser uma prerrogativa familiar, passou a ser do Estado, e um estado corrompido moralmente.

Como contra proposta a este hedonismo vigente, o teólogo protestante John Piper apresenta-nos em seu livro “Brothers, We Are Not Professionals: a Plea to Pastors for Radical Ministry”[3] aquilo que ele chama dehedonismo cristão: “Por hedonismo cristão, eu não quero dizer que a nossa felicidade é o bem maior. Quero dizer que a busca do bem maior sempre resultará em nossa maior felicidade no final. Mas quase todos os cristãos acreditam nisso. Hedonismo cristão diz que devemos buscar a felicidade, e persegui-la com todas as nossas forças. O desejo de ser feliz é um motivo adequado para toda boa obra, e se você abandonar a busca de sua própria alegria, você não pode amar o homem ou agradar a Deus.”

Em resumo John Piper diz: “O hedonismo cristão visa substituir uma moral kantiana por uma  moral bíblica.”Isto porque Kant foi sem dúvida um dos filósofos mais recentes a escrever sobre este hedonismo exacerbado e imoral. 

Em suma, respondendo nossa pergunta inicial, o hedonismo é uma necessidade, que deve obedecer princípios éticos e morais, para que seja legitimado e produza resultados positivos não apenas para um indivíduo mas para toda a sociedade. E para concluir, acrescento a este texto um excerto do livro Verdade na Prática: Textos Selecionados[4]: 

“A felicidade no cristianismo é considerado um marco fundamental da salvação. Pressupõe-se que todo aquele que é cristão é feliz. Numa metáfora para nos ajudar em nosso pensamento, desejo explicar de forma simples como podemos entender a diferença entre a felicidade e a alegria. A alegria é um contentamento esporádico na vida, enquanto que a felicidade é o estado em que se vive. Se comparássemos a alegria e a felicidade com uma árvore, diríamos que a felicidade é a árvore e a alegria os frutos da árvore. Os frutos dependem das estações do ano, dependem de uma boa terra e de um bom jardineiro para surgir no momento certo, já a árvore, esta existe o ano inteiro.

Semelhantemente, a alegria pode estar a espera da estação certa para aparecer, mas a felicidade segue todo o ano, e em todas as estações. A ausência desta felicidade é vista pela maioria como o fim da vida. Nietzsche escreveu que: “A ideia do suicídio é um potente meio de conforto: com ela superamos muitas noites más.”(1]) Portanto, não é de se admirar que aquele que se vê infeliz, veja o final da vida, muitas vezes pelo suicídio, como algo razoável. E Nietzsche disse ainda: “O suicídio é admitir a morte no tempo certo.”(2)

O teólogo católico espanhol José Maria Arnaiz escreveu algumas observações sobre a felicidade(3):

É importante evitar o risco de confundir o bem-estar material com a felicidade; isso seria como confundir a fantasia com a realidade, os meios com os fins, a embalagem com o conteúdo, o prazer com a alegria, a aparência com a existência.

Todas as pessoas que foram à Jesus com um desejo genuíno de encontrarem a felicidade e se deixaram conduzir pelos padrões de Deus foram satisfeitas nas suas buscas. No entanto a Bíblia nos fala de um jovem rico, que pensava que sua felicidade estava condicionada às suas posses. Quando Jesus lhe mostra que o mais importante é dar do que receber (At 20:35), ele fica desapontado e o Evangelista Marcos registrou: “Mas ele, pesaroso desta palavra, retirou-se triste; porque possuía muitas propriedades” (Mc 10:22).

Semelhante, muitos estão a viver infelizes pois sua felicidade esta condicionada ao bem-estar material.

José Maria Arnaiz continua:

A felicidade é o bom depósito que deixam nossos anos, é o que nos devolve a vida como reação a tudo o que vivemos e demos de liberdade, de verdade, de justiça e amor; há vidas que deixam um sabor de insatisfação, de infelicidade e de tarefa não cumprida… Isso ocorre quando nelas há algo que não funcionou.

O viver irresponsável, seja em que área for, nos trará resultados negativos. O texto Sagrado fala de algo chamado pelos teólogos de “A lei da semeadura”, pois diz: “Não erreis: Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6:7). Se você só semeou tolices, arrogância, rejeição, inimizades, imoralidades, e coisas semelhantes a esta, o que espera colher? Mas, ainda há tempo para mudar as sementes, e semear as coisas certas, para colher coisas boas.

José Maria Arnaiz diz ainda:

A felicidade não se apresenta como uma diversão continua… nem sequer como um estar contentes e alegres todo o dia, nem mesmo como um sonho colorido do futuro… Está claro que (a felicidade) não se trata de pedir uma carga leve para andar pelo mundo, e sim, bons ombros para carregá-la com facilidade. A felicidade está em algo mais profundo. Algo que subsiste sob os sofrimentos e alegrias de cada dia, do ter ou não ter, do mandar ou não mandar, da saúde ou da doença… Tem relação com o saber que estamos onde queremos estar e queremos estar onde temos de estar.
Sempre ouvimos a seguinte frase: “Ah, se o você soubesse da minha vida!” Com esta frase parece que temos todas as razões do mundo para sermos infelizes. O escritor português Miguel Esteves Cardoso escreveu que: “Em Portugal dizer «Eu sou feliz» é como dizer «Eu sou rico»… é como confessar uma anormalidade”.(4) Isto nos mostra que há aqueles que tem tornado a infelicidade uma cultura. Cardoso diz ainda que: “Em Portugal, o que convém é andar mais ou menos”.
Se esperamos um viver feliz, o cristianismo nos convida fazer alterações na nossa maneira de ver a felicidade. Na cultura bíblica da felicidade, Deus é a sua essência, ele é a sua razão, ele é o seu motivo e sua causa. A Bíblia nos diz que: “…Cristo em vós, esperança da glória” (Cl 1:27).
Isaías 53:5 diz: “…o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados”. A palavra paz usada neste texto é “shalom”, cujo significado é muito além de simplesmente paz, mas compreende todos os aspectos necessários para uma vida feliz. Shalom também não significa a ausência da guerra, mas sim, a presença do Príncipe da Paz (Is 9:6).
Em Efésios 2:14 diz: “Porque ele é a nossa paz…” – Ele quem? Jesus, ele é o “shalom”. Terminaremos com uma citação de John Piper: “Na conversão encontramos o tesouro oculto do reino de Deus. Arriscamos tudo nele. E, ano após ano, nas lutas da vida, comprovamos repetidamente o valor do tesouro e descobrimos novas profundidades de riquezas que não conhecíamos. Assim a alegria da fé cresce. Quando Cristo nos chama para um novo ato de obediência que nos custe algum prazer temporal, lembramo-nos do valor insuperável que é segui-lo e, pela fé no seu valor insuperável que é segui-lo e, pela fé no seu valor provado, esquecemos o prazer mundano. Qual é o resultado? Mais alegria! Mais fé! Mais profunda que antes. E assim avançamos de alegria em alegria, de fé em fé.”

Como filosofo cristão não posso conceber a possibilidade de uma felicidade sem Deus e sem limites. 



Luis A R Branco é  Teólogo, Poeta, Filósofo, Escritor, Proessor, 
Licenciado em Teologia – Mestre em Admnistração Eclesiática – 
Doutor em Ministério – Doutorando em Filosofia – Brasilês, atualmente residindo em Lisboa Portugal.






[1] Mario Vargas Llosa, La Civilización Del Espectáculo, 1a. ed. (México, D.F.: Alfaguara/Santillana, 2012).
[2] Cidinha Campos, “Revolta da dep. Cidinha Campos com 'os que mamam', principalmente dep. José Nader” (video), Março, 24, 2010, 4:18, accessed February 5, 2014, http://www.youtube.com/watch?v=q21rM03_R18.
[3] John Piper. Brothers, We Are Not Professionals: a Plea to Pastors for Radical Ministry. Nashville, TN: Broadman & Holman Publishers, 2002.
[4] Luis Alexandre Ribeiro Branco. Verdade na Prática: Textos Selecionados, Petrópolis, Clube de Autores, 2014.


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